Crise existencial no PSDB
Jaldes Reis de Meneses
Acabei de ler a entrevista do hipotético candidato à presidência da república pelo PSDB, Aécio Neves, à revista CartaCapital. Pouco antes já havia lido o artigo dominical do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ao jornal O Globo (http://oglobo.globo.com/pais/noblat/post.asp?cod_post=473412&ch=n). Duas palavras estão ausentes em ambas as intervenções, tanto na entrevista como o artigo – projeto neoliberal e Pastor Silas Malafaia. Parece que as cabeças pensantes do PSDB buscam exorcizar dois fantasmas, um do passado e do outro do presente, esquecendo-os: 1) a aversão do eleitor brasileiro (comprovado em pesquisas de opinião) à memória das privatizações, no qual o PT e demais partidos de esquerda ganharam o debate ideológico (quem se lembra de Geraldo Alckmin, no segundo das eleições presidenciais de 2006, vestindo uma camisa com as marcas da Petrobrás e outras estatais?), bem como, 2) reverter à adesão de várias candidaturas tucanas (inclusive Cícero Lucena, em João Pessoa, um conservador contumaz) à programática conservadora em termos de valores morais.
Embora tenha perdido para o PT a jóia da coroa, São Paulo, o PSDB não morreu, até obteve algumas importantes vitórias relativas nas eleições municipais (reinseriu-se no Norte e Nordeste, por exemplo). Muito pouco, é verdade, pois os três principais partidos da coligação de governo (PT, PMDB e PSB), reunidos, tiveram 65 milhões de votos, contudo a situação é melhor que a que se previu na reta final de campanha, ainda mais quando não se sabe ao certo qual o rumo do PSB na futura eleição presidencial. Em que pese o novo alento que permite ao PSDB respirar sem ajuda de aparelhos, o partido persiste em aguda crise existencial, sem programa definido, de insignificante militância permanente e escassa capacidade de direção política.
Neste sentido, a fórmula soprada por Fernando Henrique, de explicitação de um novo PSDB, de clara adesão ao mercado, incluindo o empreendedorismo dos de baixo, mas socialdemocrata nas políticas sociais e progressista a respeito dos valores morais (defesa do meio ambiente, união civil homoerótica, descriminalização do aborto e da maconha, etc.), até parece um caminho. No fundo, porém, nos anos recentes, depois que deixou a presidência e foi envelhecendo, FHC tornou-se um profeta clamando no deserto. Em campanhas eleitorais, o PSDB tem-se comportado mais como um partido conservador tradicionalista (as campanhas presidencial e municipal de José Serra, ambas derrotadas, são os melhores exemplos). E agora, José? Haverá forças internas na dimensão da tarefa de mudar o hábito da boca torta no cachimbo e reconstruir programaticamente o PSDB?
Até hoje, a grande aposta do PSDB contra o lulismo reside na agenda anticorrupção. Não deu certo. Por um simples motivo: as pessoas sabem intuitivamente que a corrupção está longe de ser uma exclusividade do PT e da esquerda, compondo feito uma metáfase o âmago do próprio sistema político brasileiro. Na verdade, o nosso sistema político é legatário de duas corrupções combinadas, uma antiga, patrimonialista e “cordial” (revisito implicitamente, nesta menção, as formulações críticas de autores como Sérgio Buarque, Raimundo Faoro e Victor Nunes Leal), e outra recente, ultracapitalista e neoliberal (o estranho Ornitorrinco, de Chico de Oliveira, uma disfuncionalidade do capitalismo tardio na periferia).
PT e PSDB, o sujo falando do mal lavado, compostos nas cúpulas de poder de sindicalistas gestores de fundos de pensão e ex-acadêmicos recém-tornados grandes banqueiros, simultaneamente, são curiosas mutações genéticas, darwinismos da periferia capitalista. Ambos, cada um a sua moda e no espaço de seu território, chafurdam no pântano da “nova” corrupção, ao mesmo tempo em que contraem relações de alianças com o que denominam de “atraso” – a velha corrupção patrimonialista. A diferença (e não é pouco, mas muito) é que o PT, através do lulismo, logrou uma comunicação mais direta com os pobres. Conseguirá o PSDB reatar esses laços até 2014? Trata-se de um super trabalho de Hércules, maior que todos os doze da mitologia reunidos.
Impressionante como o assunto da “velha” e da “nova” corrupção, sem o qual extirpá-lo das veias do aparelho de Estado jamais se refundará à República encontra-se absolutamente submerso.Longe de cativar o debate eleitoral, os movimentos anticorrupção brasileiros são programaticamente insuficientes, preferem moralizar e judicializar, caminhos aparentemente mais fáceis, em vez de buscar referências na economia política e nos clássicos da interpretação do Brasil.
Em suma, só se refunda a República por fora dela. Somente se houvesse um crescimento exponencial de movimentos como o que levou Marcelo Freixo (não confundo a potência do movimento com o PSOL, simplesmente, diga-se) – por enquanto a exceção que confirma a regra –, a uma votação extraordinária no Rio de Janeiro. Um movimento desse escopo está fora do raio de ação tanto do PSBB como do PT. Deixem-me fazer uma comparação estranha, que sempre em assalta a mente de intelectual treinado na história do Brasil: toda vez que vejo imagens da campanha de Freixo no Rio (o comício dos Arcos da Lapa), recordo-me da República Velha, mais exatamente das malogradas campanhas civilistas de Rui Barbosa (http://pt.wikipedia.org/wiki/Campanha_civilista). Aos que não sabem ambas as campanhas são muito parecidas, especialmente pelo tipo de adesão antissistêmica da sociedade civil, mais republicana do que propriamente socialista. Na aurora do século XXI, repetir-se-á a história do Brasil?
Acabei de ler a entrevista do hipotético candidato à presidência da república pelo PSDB, Aécio Neves, à revista CartaCapital. Pouco antes já havia lido o artigo dominical do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ao jornal O Globo (http://oglobo.globo.com/pais/noblat/post.asp?cod_post=473412&ch=n). Duas palavras estão ausentes em ambas as intervenções, tanto na entrevista como o artigo – projeto neoliberal e Pastor Silas Malafaia. Parece que as cabeças pensantes do PSDB buscam exorcizar dois fantasmas, um do passado e do outro do presente, esquecendo-os: 1) a aversão do eleitor brasileiro (comprovado em pesquisas de opinião) à memória das privatizações, no qual o PT e demais partidos de esquerda ganharam o debate ideológico (quem se lembra de Geraldo Alckmin, no segundo das eleições presidenciais de 2006, vestindo uma camisa com as marcas da Petrobrás e outras estatais?), bem como, 2) reverter à adesão de várias candidaturas tucanas (inclusive Cícero Lucena, em João Pessoa, um conservador contumaz) à programática conservadora em termos de valores morais.
Embora tenha perdido para o PT a jóia da coroa, São Paulo, o PSDB não morreu, até obteve algumas importantes vitórias relativas nas eleições municipais (reinseriu-se no Norte e Nordeste, por exemplo). Muito pouco, é verdade, pois os três principais partidos da coligação de governo (PT, PMDB e PSB), reunidos, tiveram 65 milhões de votos, contudo a situação é melhor que a que se previu na reta final de campanha, ainda mais quando não se sabe ao certo qual o rumo do PSB na futura eleição presidencial. Em que pese o novo alento que permite ao PSDB respirar sem ajuda de aparelhos, o partido persiste em aguda crise existencial, sem programa definido, de insignificante militância permanente e escassa capacidade de direção política.
Neste sentido, a fórmula soprada por Fernando Henrique, de explicitação de um novo PSDB, de clara adesão ao mercado, incluindo o empreendedorismo dos de baixo, mas socialdemocrata nas políticas sociais e progressista a respeito dos valores morais (defesa do meio ambiente, união civil homoerótica, descriminalização do aborto e da maconha, etc.), até parece um caminho. No fundo, porém, nos anos recentes, depois que deixou a presidência e foi envelhecendo, FHC tornou-se um profeta clamando no deserto. Em campanhas eleitorais, o PSDB tem-se comportado mais como um partido conservador tradicionalista (as campanhas presidencial e municipal de José Serra, ambas derrotadas, são os melhores exemplos). E agora, José? Haverá forças internas na dimensão da tarefa de mudar o hábito da boca torta no cachimbo e reconstruir programaticamente o PSDB?
Até hoje, a grande aposta do PSDB contra o lulismo reside na agenda anticorrupção. Não deu certo. Por um simples motivo: as pessoas sabem intuitivamente que a corrupção está longe de ser uma exclusividade do PT e da esquerda, compondo feito uma metáfase o âmago do próprio sistema político brasileiro. Na verdade, o nosso sistema político é legatário de duas corrupções combinadas, uma antiga, patrimonialista e “cordial” (revisito implicitamente, nesta menção, as formulações críticas de autores como Sérgio Buarque, Raimundo Faoro e Victor Nunes Leal), e outra recente, ultracapitalista e neoliberal (o estranho Ornitorrinco, de Chico de Oliveira, uma disfuncionalidade do capitalismo tardio na periferia).
PT e PSDB, o sujo falando do mal lavado, compostos nas cúpulas de poder de sindicalistas gestores de fundos de pensão e ex-acadêmicos recém-tornados grandes banqueiros, simultaneamente, são curiosas mutações genéticas, darwinismos da periferia capitalista. Ambos, cada um a sua moda e no espaço de seu território, chafurdam no pântano da “nova” corrupção, ao mesmo tempo em que contraem relações de alianças com o que denominam de “atraso” – a velha corrupção patrimonialista. A diferença (e não é pouco, mas muito) é que o PT, através do lulismo, logrou uma comunicação mais direta com os pobres. Conseguirá o PSDB reatar esses laços até 2014? Trata-se de um super trabalho de Hércules, maior que todos os doze da mitologia reunidos.
Impressionante como o assunto da “velha” e da “nova” corrupção, sem o qual extirpá-lo das veias do aparelho de Estado jamais se refundará à República encontra-se absolutamente submerso.Longe de cativar o debate eleitoral, os movimentos anticorrupção brasileiros são programaticamente insuficientes, preferem moralizar e judicializar, caminhos aparentemente mais fáceis, em vez de buscar referências na economia política e nos clássicos da interpretação do Brasil.
Em suma, só se refunda a República por fora dela. Somente se houvesse um crescimento exponencial de movimentos como o que levou Marcelo Freixo (não confundo a potência do movimento com o PSOL, simplesmente, diga-se) – por enquanto a exceção que confirma a regra –, a uma votação extraordinária no Rio de Janeiro. Um movimento desse escopo está fora do raio de ação tanto do PSBB como do PT. Deixem-me fazer uma comparação estranha, que sempre em assalta a mente de intelectual treinado na história do Brasil: toda vez que vejo imagens da campanha de Freixo no Rio (o comício dos Arcos da Lapa), recordo-me da República Velha, mais exatamente das malogradas campanhas civilistas de Rui Barbosa (http://pt.wikipedia.org/wiki/Campanha_civilista). Aos que não sabem ambas as campanhas são muito parecidas, especialmente pelo tipo de adesão antissistêmica da sociedade civil, mais republicana do que propriamente socialista. Na aurora do século XXI, repetir-se-á a história do Brasil?
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