Duas Américas

Jaldes Reis de Meneses


A notícia da reeleição do presidente Barack Obama foi recebida com júbilo em todo o mundo ao mesmo tempo em que ele continuará a governador uma América dividida ao meio em duas correntes ideológicas (Obama 50,4% versus 48,1% dos votos válidos, atribuídos a Romney), cindidas inclusive geograficamente (o sul é mais republicano e o norte, democrata, invertendo simetricamente as posições dos tempos da guerra civil de 1861).

São dois os Estados Unidos, hoje. Um verdadeiro abismo separa as perspectivas de vida e projeto do chauvinismo de um Tea Party republicano, representativo ao americano branco do interior, das posições sociais democratas da ala liberal do Partido Democrático, ligado aos imigrantes, a juventude e a classe média cosmopolita das grandes metrópoles. Profundamente brasileiro e paraibano, sinto-me muito ligado culturalmente aos Estados Unidos (não confundir a qualquer alinhamento ao Estado americano), à poesia andarilha de Walt Whitman (cantor da democracia e do individualismo) e à filosofia politica libertária de Henry Thoreau (pai do conceito de desobediência civil), para não mencionar o rock, o jazz e o cinema, o que me faz torcer por um dos lados: em definitivo, torci por Obama, ainda que ele me pareça mais um príncipe da estripe duvidosa de um Kéresky (ou Gorbachev), um conciliador entre abismos, desprovido da coragem de um estadista realmente disposto a tomar partido e correr riscos.

Embora se reconheça que Obama tomou claramente partido em atitudes como a defesa aberta da união civil homossexual, na qual se está em disputa valores morais, e na reformulação do sistema de saúde, quando atiçou a luta de classes, por outro lado, ele nem de leve mexeu (desmentindo promessas da primeira campanha e talvez porque não pudesse) com a plutocracia instalada no poder em Washington, bem como a oligarquia financeira de Wall Street. Paradoxalmente, as críticas centrais do Tea Party (um agrupamento de indisfarsado teor populista), exibindo um estranho pendor esquizofrênico, pois de trata de uma ala do partido Republicano, são exatamente à plutocracia e à oligarquia, base eleitoral, financeira e politica de Mitt Romney. As cartas das percepções estão embaralhadas nos Estados Unidos: no dia em que (sei dos riscos de idealização que envolve a menção ao encontro do futuro, tão caro aos cantores de protesto) os liberais da cidade e os produtores rurais apontarem o gume contra o mesmo alvo – o regime econômico da oligarquia financeira – assistiremos, extasiados, a uma grande transformação, e o mundo nunca mais será o mesmo. Deixem-me sonhar, pois os sonhos são sempre a primeira enunciação.

Uma ala condescendente com o primeiro governo Obama avalia que as expectativas geradas no primeiro mandato eram exageradas, diante das constrições econômicas e geopolíticas herdadas. Assim, ele logrou sucesso relativo, retitrando tropas do Iraque e Afeganistão e afastando o pior do horror da depressão, através das taxas negativas de juros, os subsídios à indústria automobilística e, principalmente, as desvalorizações cambiais de Ben Bernanke (presidente do FED). Todas essas políticas vão cobrar caro no futuro próximo.

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