Baudelaire

Jaldes Reis de Meneses


I

Através de uma baforada de ópio ou no doce verde do haxixe,

Em um quarto escuro de hotel, no século XIX, em Paris,

Sentiu um fugidio instante de felicidade. Mas o vinho, o ácido

Favorito dos realistas, fez Baudelaire abandonar os lençóis da cama

E retornar à multidão. A revolução é uma festa de pão, rosas e cravos.

Outrossim, o querubim pode ser um anjo demoníaco disposto a preparar

Uma peça no poeta. O querubim prefere os paraísos artificiais,

Pois nestes sequer habita a utopia, somente a satisfação.


II

Nunca mais, nunca mais, nunca mais, Baudelaire

Abandonará o seu corvo noite adentro. Nada lhe orla a sombra

Doravante, perfume, rubi, diamante, somente a sua nua

Nada heróica magreza. Sequer o vinho, antigo companheiro de jornadas,

Irriga-lhe o sangue. Por outro lado, o pó branco das papoulas

Sabe aureolar a fugacidade. O brilho das ampolas

Ilumina a beleza das passagens de Paris.

Sem revolução, o lirismo refugia-se junto ao ócio.


III

Flores adornam cada estação desse calvário,

São as flores do mal. Assistindo, incógnito, o jogo de cartas do diabo,

Assim o poeta, despido de aura, caiu estatelado ao chão.

Choque epilético. Delicado e fino, tanta violência e tanta ternura.

O jogo recusa comoção. O jogo funciona conforme a rotina de uma fábrica,

Roleta sempre em recomeço, engrenagem sem experiência nem desejo,

Mórbida alegoria deslizante de valor. Enquanto houver mercadoria,

Não haverá poesia, todavia sobrará encantamento.


IV

As coincidências embaralham. O livro se abre ao acaso na página exata

Do poema que queria ler, assinando e multiplicando

O nome dois: o poeta e sua passante, a viúva, o gato:

Não se conhecem: uma exclusivamente sua, outra do mundo.

Um fantasma esvoaçante, sombra que se apoderará doravante

De sua intimidade qual um conhecimento desconhecido.

Convive que ela infantilmente: um ursinho de pelúcia, cobra coral:

Na falta da carne, o consolo do brinquedo.

V

Enfim, entre cúpulas bizantinas de ferro e vidro, por sobre o chão da galeria,

O poeta derrama no salão, por amor ao feio e culto ao bizarro,

Um choro ao qual faltam lágrimas, e quer compartilhar

Contigo, infame leitor, profanador, atrevido, cúmplice, mau caráter,

A mais profunda humildade do mundo.

Solitários, poeta e leitor poderão adentrar aos círculos dos infernos

E dali arrancar o beijo lúgubre de Esmeralda.

Frouxo é o arrependimento e tenaz todo o pecado.

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