Corinthians
Escrevi o artigo abaixo quando da vitória do Corinthians na Libertadores da América e esqueci de postá-lo aqui. Hoje, data da conquista do Campeonato Mundial pelo Corinthians é o melhor dia de postá-lo. 'Não sou contintiano - bigamo em futebol, prefiro o Vasco e o Santos - mas adoro guerreiros e tenho uma discreta simpatia por loucos.
Jaldes Reis de Meneses
O
primeiro gol do Corinthians no título da Libertadores aconteceu na verdade em
1977, outra vez em uma noite de garoa: naquele dia, Basílio (ex meio volante da
Portuguesa) estufou na rede de seu time anterior e liberou seu novo time do
estigma de eterno perdedor. Junto ao título do time da massa do Zé ninguém de
São Paulo, também começava acabar a ditadura. Só me lembro de ter torcido pelo
Corinthians em duas noites de garoa, naquele tempo e agora. Torci por que sei
que em São Paulo o dia de hoje equivale a quase uma Copa do Mundo
O meu
time paulista predileto, embora não seja precisamente um torcedor, é o Santos,
o mais internacional dos times brasileiros, time que admiro demais. Mais ainda
depois da leitura de um dos livros mais bonitos editados no Brasil nos últimos
anos – Veneno Remédio (sobre o futebol), de José Miguel Wisnik (um
santista que conheceu o futebol, moleque, jogando pelada nas praias de São
Vicente), muito importante e bem escrito, no qual o autor se propôe a escrever
a propósito do jogo dentro de campo, em vez de sobre o jogo.
Escrever sobre o jogo é prosa; o jogo, abstraído o sobre preposição
instrumental, é poesia e contingência, de resto o próprio o núcleo duro
apaixonante do futebol.
É fácil
escrever e criticar o futebol a partir das linhas extracampo: o poder dos
cartolas, dos patrocinadores, a mercantilização, em suma. No entanto, apesar de
tudo, sobram os noventa minutos: no campo, tudo é indeterminado e pode
acontecer. Por isso, o futebol se presta a metáforas, desde as de Lula e Nelson
Rodrigues. A mais reiterativa de todas, a
que iguala o campo a um território de guerra e o título a um acontecimento
épico. Quem há de duvidar que o Corinthians acabou a pouco de conquistar um
feito épico? Glória eterna aos heróis do Pacaembu, embora Romarinho não tenha
tido a oportunidade de entrar no campo dos gladiadores.
Em
momentos de festa, feito Heródoto, historiador clássico, que saudou os
antagonistas persas nas guerras de formação do povo grego, há que se sobrelevar
os adversários, afinal, o Corinthians conquistou o título contra nada mais nada
menos que o Boca Juniors, o meu time argentino favorito e imortal do Bairro de
la Boca. Não foi uma vitória contra um Universidad desses qualquer, mas o Boca,
time do bairro histórico do tango e dos trabalhadores do porto argentino,
principalmente de Maradona. Detesto as patriotadas de Galvão Bueno, tipo que
existe um insondável sabor diferente em ganhar da Argentina, mas o Boca tem um
conteúdo simbólico diferente: derrota-se um irmão, mas ao mesmo tempo se pode confraternizar
com ele. Afinal, o migrante de começos do século XX que aportou nas casas
apertadas de la Boca pouco diferem dos irmãos que aportaram em São Paulo
(minto: os hermanos têm tonalidades mais trágicas), fizeram as primeiras
greves, e, por algum motivo insondável, optaram em torcer pelo Corinthians.
Acho que
hoje o Corinthians começa a deixar de ser um time menos paulista e mais
brasileiro. A transição do Corinthians se completou, que enfim deixa de ser um
time regional paulista, de torcida fanática, e passa a ser um time brasileiro.
O Brasil se parece cada vez mais, pela determinação, com São Paulo, isso é bom.
Somos todos metalúrgicos do ABC, ou mocinhas trabalhadoras de Guarulhos, por
que não?
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