Entrevista com o professor Robert Allen, de Berkeley

RAÇA, CLASSE E IMIGRAÇÃO NOS EUA 


Entrevista concedida pelo Professor Robert Allen, da Universidade da California, Berkeley, para o Professor Jaldes Meneses, Departamento de História (UFPB)

Pergunta: Professor Allen, como o Sr. avalia os resultados políticos das ações afirmativas nos últimos dez anos?
Robert Allen:
As ações afirmativas têm sido um tópico bastante controvertido desde 1960, quando o presidente Lyndon Johnson as instituiu como uma forma de “corrigir os efeitos das discriminações no passado e no presente”. A lei passou a incidir, especialmente, sobre vários tipos de discriminações, incluindo a discriminação racial, cor, religião, gênero ou origem nacional. Além de punir os infratores, a lei também solicitava aos empregadores que adotassem “uma ação afirmativa” para concederem emprego às pessoas protegidas por essas categorias. Os empregadores do Governo Federal teriam que fazer relatórios sobre os resultados da concessão de empregos, incluindo cotas para conseguirem o objetivo esperado. Os oponentes às ações afirmativas impetraram recursos, afirmando que isso era uma “discriminação contrária” que desfavorecia os brancos. Em 1978, a Corte Suprema Norte-americana regulamentou que as cotas não seriam usadas na universidade, mas que a luta pela “diversidade” na educação superior era uma fato válido por considerarem a questão racial um aspecto importante, dentro das admissões nas universidades. Entretanto, em 1996 (e depois, em outros Estados) leis foram instituídas, banindo efetivamente ações afirmativas baseadas de acordo com a raça, cor, religião, gênero, etnicidade e origem nacional. Nesse momento, entretanto, a situação política e demográfica está em pleno fluxo em muitas partes dos Estados Unidos, e isso terá um impacto futuro nas ações afirmativas. Ironicamente, as “minorias” estão emergindo como maiorias em potencial na Califórnia e em outros Estados. Se minorias registram-se para votarem em proporção dos números populacionais que representam, demograficamente poderão se tornar maiorias em alguns anos. A direita entende essa proporção e procura desencorajar o número de votantes, por exemplo, pela criminalização dos jovens votantes. Em outras palavras, há diferentes penalidades para traficantes e consumidores de crack frente a consumidores e traficantes de cocaína (o pó). Através dessas leis, os mesmos usuários de drogas e traficantes nas comunidads mais pobres de cor são, severamente, punidos em escala muito maior do que os brancos ususários e consumidores de classe média branca. Felizmente, a administração do presidente Obama propôs eliminar essa desigualdade. Muitos Estados possuem essas leis e se alguém for condenado uma terceira vez por certas infrações (three strikes), a pessoa receberá a sentença máxima: 25 anos de cadeia. Essas leis afetam, principalmente, os jovens pertencentes às comunidades de cor, como um meio de neutralizar a comunidade do ponto de vista político. Uma vez condenada, a pessoa perde o direito de votar. Não é um fato acidental a realidade das prisões norte-americanas, onde a maioria da população é composta de jovens negros.
O poder de voto das minorias, como se pode observar, foi demonstrado pela eleição do presidente Barack Obama. Ele recebeu somente 43% dos votos de brancos, mas conseguiu uma maioria bastante significativa entre as pessoas de cor. A maioria dos jovens brancos deu a ele os votos de que ele precisava para ganhar. Considero esse fato como a emergência de uma maioria progressiva que está emergindo nos Estados Unidos.
P.: Qual a sua opinião pessoal sobre a influência política na elaboração das políticas afirmativas aqui no Brasil, atualmente?
R.: Infelizmente não tenho muitas informações sobre o assunto, porque não sou brasilianista.
P.: O conceito de raça é um dos mais polêmicos temas da sociologia. Qual a sua opinião sobre esse conceito em geral?
R.: O conceito de raça é controvertido porque é insuficiente e pobre para incorporar os seres humanos dentro da hierarquia racial. Raça não é um conceito científico. Ele encontra-se veiculado ao colonialismo e à escravidão, como um instrumento para classificar e organizar as pessoas dentro das categorias como colonizador/colonizado, escravizador/escravizado. Apesar dos direitos civis e igual tratamento conferido pelas leis, o conceito de raça hoje permanece como um significado marcante da diferença e organizador das sociedades humanas. Dessa forma, raça significa um conceito sociológico, embora, através da biologia e dos fundamentos legais esse conceito tenha sido minimizado. Ele permanece significante por conta das instituições sociais, costumes profundamente enraizados nas lentas modificações do sistema – há ainda setores da sociedade que tiram vantagens da divisão social e da discriminação. Nos Estados Unidos, raça tem sido também uma marca das diferenças culturais e étnicas e eu acredito que o conceito de raça persistirá enquanto essas diferenças ocorrerem. Eu tenho a pele clara, mas cresci na segregada comunidade afro-americana no sul dos Estados Unidos. Por uma “gota de sangue negro” eu sou classificado legalmente como negro e, portanto, restrito à comunidade afro-americana. Por ter crescido na comunidade negra, eu me “sinto” inteiramente afro-americano. Essa é a forma de como me identifico. Todas as minhas experiências de minha formação e relações estão atadas à comunidade afro-americana. Através dos anos, os afro-americanos têm lutado para serem chamados de pessoas de cor, negro, preto, afro-americano. Acredito que essa luta reflete o nosso desejo de rejeitar os estereótipos negativos que foram impostos pela sociedade branca. Escravizados, os africanos de muitas nações misturaram-se e transformaram-se em uma nova cultura, através de várias combinações, chamada afro-americana. Nesse caso, raça é um conceito que nasceu da escravidão e transformou-se em um conceito cultural que expressa uma nova identidade. Quando não houver nenhuma vantagem associada à “brancura” e nem nenhuma desvantagem associada à “negritude”, o conceito de raça não desaparecerá mas não terá mais poder em nossas vidas. Será apenas um traço interessante como a cor do cabelo e a cor dos olhos e uma marca benigna da diferença cultural.
P.: O senhor acredita que a eleição do President Barack Obama irá afetar a luta pela igualdade racial nos Estados Unidos?
R.: Mesmo como presidente, Obama enfrentou uma série de ataques pessoais por causa de suas raízes mestiças e a sua identidade como um homem negro. Isso significa que mesmo como cidadão norte-americano, ele é também vulnerável aos abusos causados pelo racismo. No tempo de sua eleição, Obama afirmou que: “Essa vitória, por si só, não é a mudança que procuramos, ela é apenas uma chance para fazermos as coisas mudarem.” E acho que a sua eleição é o início de uma sociedade menos racializada. Todavia, eu acho que ele é bastante realista e entende que a sua eleição não mudará as crenças básicas, valores ou práticas sociais. Testemunhamos momentos interessantes nessa eleição, como por exemplo, racistas votando em Obama, simplesmente porque ele representava os seus interesses de classe, mas eles continuam mantendo idéias racistas sobre os negros em geral. A campanha de Obama uniu pessoas de várias origens étnicas, trabalhando por uma causa comum. Para muitos, essa foi a primeira vez que se envolveram na política e, pela primeira vez, trabalharam com pessoas de diferentes raças. Sobre isso, eu acredito que esse fato constitui uma esperança. A esperança de trabalharmos juntos na direção de um objetivo comum, de um destino compartilhado que transcenda as diferenças raciais. É nesses milhares e em outros como esses, que compartilhamos o trabalho e a luta através da questão racial e, assim, poderemos levar uma mensagem para um público cada vez maior do que a divisão racial construída. Não acredito que a sociedade norte-americana atual seja essa sociedade pós-racial, mas eu acho que poderemos construir uma sociedade mais igualitária através da qual a raça não seja um determinante primário de nosso destino.
P.: Professor Allen, em seu artigo, “Os filhos da Globalização”, o Sr. demonstra muito entusiasmo com a “miscigenação” da sociedade norte-americana. Como o Sr. acha que “Os filhos da globalização” irão lidar com as diferenças de classe entre eles. O Sr. não acha que o racismo poderá ainda prevalecer entre esses grupos?
R.: Como você sabe, de acordo com a história norte-americana, nenhum grupo está livre do racismo. Mesmo o grupo mais progressista, e mesmo o grupo mais radical conhece as práticas racistas. Mesmo aqueles que são vítimas do racismo, poderão voltar-se contra alguém, discriminando-o. O racismo é uma influência maléfica nos Estados Unidos como o ar que respiramos. Os filhos da globalização não são uma exceção. Raça e classe produzem um impacto de como eles se consideram e como eles consideram os outros. Muitos imigrantes chegam aos Estados Unidos com ideias muito negativas e estereotipadas dos negros americanos que eles absorvem da mídia global. Viver em uma sociedade, onde claramente os brancos produzem claras vantagens, leva alguns emigrantes e seus filhos a procurarem a distinção e separação dos afro-americanos. Ironicamente, a discriminação racial força muitos filhos de imigrantes a conviverem através das escolas com os afro-americanos. Os seus filhos, frequentemente, assimilam a cultura da juventude afro-americana, para o horror de seus pais. Apesar da imagem negativa que a juventude negra transmite, ela é também uma imagem de resistência cultural. Ela é uma cultura que não deixa de questionar o racismo. Para a juventude, o hip-hop conclama a todos para luta pelo poder, como uma mensagem positiva, embora seja um fator de muita preocupação por parte dos pais. A cultura da juventude negra é uma fonte de identidade comum para muitos jovens que não são negros. É, também, uma fonte das políticas anti-racistas, expressada por uma linguagem dirigida à juventude. Como um professor da Universidade da Califórnia, é interessante ver que a maioria dos militantes e as suas organizações anti-racistas são compostas por filhos de imigrantes. Ao contrário da timidez de seus pais, distantes do confronto político, os filhos dos imigrantes são cidadãos norte-americanos que se consideram norte-americanos, como quaisquer outros. Eles, deliberadamente, engajam-se em passeatas políticas de protesto e campanhas políticas garantidas pelos seus direitos de nascimento. Como uma juventude americanizada, eles estão comprometidos com a liberdade de expressão com o mais elevado objetivo. Esse fator os torna aliados propositais, ou não, pelas liberdades, muitas vezes, negada.

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