PMDB em crise de sobrevivência
Jaldes
Reis de Meneses
O PMDB vem de longe, tanto em
história como em geografia. Apesar de todas as clivagens e reconfigurações da
dinâmica árvore partidária brasileira, é-se possível montar uma linha
genealógica do partido. Junto com o DEM, devem ser considerados os dois
partidos ancestrais do sistema partidário brasileiro, os verdadeiros “donos do
poder” ou o autêntico “patronato político brasileiro” ( ou seja, a casta de
políticos que mais que nossos representantes são nossos patrões) que nos falava
Raymundo Faoro (autor clássico para entender o Brasil).
Em
história, pode-se encontrar um resíduo de longa duração do PMBB no Estado Novo
de Vargas, época na qual os interventores nomeados, através do controle
absoluto da máquina estatal em tempos de ditadura, herdaram com paciência e
pertinácia as estruturas municipalistas do poder local. Passou o tempo do
Estado Novo e Vargas criou dois partidos, o PSD (abrigo dos interventores agora
transformados em oligarcas) e o PTB (representativo da estrutura sindical). Logo
o PTB se radicalizou, até assistir um de seus principais quadros, João Goulart,
sofrer um golpe de força, e outro, Leonel Brizola, até encaminhar lutas armadas
fracassadas. Quanto ao PSD, elegeu Juscelino em aliança com o PTB e os
comunistas (o bloco popular), mas foi se afastando e constituindo uma base das
forças golpistas. Afinal de contas, Ranieri Mazzilli, o parlamentar
a quem coube declarar vago o cargo do presidente Goulart e usurpar a
presidência, era um dirigente graduado do... PSD.
A maioria do PSD transformou-se em
MDB, o partido secundário criado pela ditadura militar. A liderança na Paraíba
coube ao senador Ruy Carneiro, velho populista de escassos dotes intelectuais e
imensa capacidade de operar os benefícios da máquina pública. Porém, equidistado
dos benefícios do poder de Estado, o MDB quase desapareceu. Mas a história dá
suas reviravoltas e o MDB transformou-se no partido de resistência à ditadura.
A virada deu-se em 1974, quando o projeto de luta armada estava definitivamente
derrotado e a esquerda paulatinamente foi ocupando espaços institucionais,
sindicatos, igreja e movimentos sociais, entre os quais o partido B da
ditadura. Parafraseando Chico Buarque, na bela canção de louvação da Revolução
dos Cravos em Portugal, “foi bonita a festa, pá”.
Não se deve, contudo, embelezar a
história do velho MDB. Os sobreviventes desses processos sabem das dificuldades
com que a portas foram arrombadas, das desconfianças das reuniões nas sedes, do
ranço antissocialista e a tudo que cheire a popular dos “donos do poder”. Na verdade, mais que ideologia, os donos do
poder só entendem de duas linguagens para recuar: a do voto e da pressão de
massas. O MDB nunca foi um partido de esquerda, sequer de centro:
paradoxalmente, ao mesmo tempo foi mais (historicamente) e menos
(ideologicamente) que tudo isso: foi uma frente concreta de combate à ditadura.
Pode-se perguntar pelo grupo dos
“autênticos”. É uma boa pergunta. Foram 26 deputados do grupos dos “autênticos” que lançaram em 1976 a
proposta de constituinte precedida pelo fim da ditadura. Cantaram a bola do que
aconteceu no futuro. Pois bem, nos dias de hoje, apenas dois “autênticos”,
entre os vivos, continuam no PMDB – Jarbas Vasconcelos e Pedro Simon, o
primeiro já deputado federal expressivo e o segundo um deputado estadual gaúcho
mais conhecido como o representante de Brizola no Rio Grande do Sul. Mais
ninguém.
Pode-se avançar a perguntar e
indagar pelo papel de Ulysses Guimarães e Tancredo Neves. São dois diferentes
personagens. Ulysses, depois da aposentadoria do inexpressivo senador acreano
Oscar Passos, viu-se presidente do MDB (1970). Tratava-se de um personagem
coadjuvante do Brasil anterior a 1964. Por seu turno, Tancredo, já um político
proeminente antes de 1964 – tanto que virou primeiro ministro de conciliação da
campanha da legalidade (1962) –, até pela derrota sofrida, internou a solução
de que a superação da ditadura só se daria através de uma conciliação (menos
com os políticos da ditadura – Tancredo nada tinha de bobo – e mais com as
forças sociais que ela representava, principalmente as da modernização
capitalista). Realmente, com a criação do PP em 1980, o general Golbery teve
uma vitória parcial. Mas exagerou na dose. A proibição das coligações para as
eleições plebiscitárias de 1982 enrijeceu de tal sorte o pluripartidarismo de
seis novos partidos consentidos da ditadura (PDS, PTB, PP, PDT, PMDB e PT),
proibindo as coligações, que ao grupo de Tancredo só restou a alternativa de
voltar ao leito original, o recém-PMDB frentista, vitaminado pelo PCB, PCdoB e
MR-8 (pode parecer estranho citar essas legendas, mas elas tinham influência
social à época). A ironia da história é que o PMDB acabou por assimilar a
solução de transição conciliatória, bem ao molde histórico brasileiro, do que a
solução das eleições diretas, cujo escoadouro mítico, por artes da história,
terminou sendo Ulysses Guimarães.
Começo a compreender que é preciso
estudar e compreender melhor a história contemporânea do Brasil. Finda de maneira
transada a ditadura, o PMDB logo esgotou todas as suas possibilidades
frentistas e assumiu a faceta – já tematizada por Fernando Henrique Cardoso –
do “partido ônibus”. Cabe de tudo nesta carroceria, desde que mantidos os
avatares mais atrasados da estrutura dos “donos do poder”. A que corresponde
essa estrutura? Basta ler a bibliografia relevante a respeito de política do
Brasil. Montou-se no país, principalmente no nordeste, uma estrutura de poder
orgânica e piramidal, que envolve desde o chefe municipal até o presidente da
república. Um não sobrevive sem o outro. É verdade que os coronéis
desapareceram e os novos substitutos são modernizantes – vale dizer, querem
capitalismo econômico, mas persistem em querer que o nosso capitalismo continue
ensimesmado, nos termos de Raymundo Faoro, pelo renitente patronato político
(ou o político como patrão), que não pretende soltar as rédeas. O patronato
político se dissemina por vários partidos decadentes, mas sem dúvida o eixo
político de sua atuação congressual e municipalista encontra-se acantonada no
PMDB (sugiro a respeito a leitura dos interessantes artigos do cientista
político Marcos Nobre, para entender o modo como o PMDB opera o
“presidencialismo de coalizão” no Congresso Nacional).
O PMDB corre água por todos os lados
(inclusive na Paraíba), mas obteve duas vitórias recentes, a sagração de Renan
Calheiros no Senado e Henrique Eduardo Alves na Câmara dos Deputados. São duas
vitórias de Pirro, pois se trata de um partido tão decadente quanto o DEM. No
entanto, ainda possui muitos recursos de poder. Quatro são os principais: o
vice-presidente, o presidente do senado, da câmara e a maioria relativa (pois não
possui mais o monopólio do municipalismo brasileiro, bastante pluralizado) das prefeituras.
As manchetes de hoje estampam a
audiência do presidente Eduardo Alves com o ministro Joaquim Barbosa, o Batman
do STF, que parecem ter chegando a um acordo, aparentemente legitimado pela
letra fria da lei, acerca do destino dos deputados condenados no rumoroso
processo do mensalão. O presidente Eduardo contradiz o discurso do dia em que
foi empossado presidente da câmara, que reiterava os termos ácidos, em relação
do STF, do presidente petista anterior, Marco Maia. Por quê? Em 2013, o minueto
da dança do PMDB é mais o da sobrevivência do que o da construção. O que vier é
lucro.
A maioria dos analistas políticos
escreve que o PMDB nada mais é que um aglomerado de lideranças regionais. Nada
entendem do partido, que vive sua fase de sobrevivência e, portanto, mais que
um aglomerado, possui hoje uma liderança leninisticamente centralizada, mas
mãos de Michel Temer, Renan, Eduardo Alves, Eduardo Cunha (a nova liderança no
Congresso) e Sarney (a velha raposa à espreita). Eles vão atuar em 2013 no
sentido de manter a aliança com Dilma (até quando o seu governo persistir com
índices de popularidade) e também com Lula, porém, equidistantes dos interesses
mais orgânicos do PT. Não pertence ao PMDB a saga dos heróis ou bandidos do
mensalão. Está pouco interessado em alianças sociais de partidos, em debate
político, em riscos projetuais, em sociedade civil. Na sobrevivência, menos que
apostar, o caso é simplesmente de colher.
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