A questão setentrional
Jaldes Meneses
(Eduardo Campos e o Lulismo)
Enganam-se os que pensam que a burguesia, o capital financeiro ou os grandes proprietários rurais ganharam sozinhos todas as eleições presidenciais desde o retorno democrático de eleições presidenciais em 1989. Desde aquela data, os pobres (hoje chamados de “nova classe média” ou “nova classe trabalhadora”, antes conhecida como “descamisados”, ou vistos de fora, na canção de Garoto e Chico Buarque como “gente humilde”, nunca perderam eleições presidenciais brasileiras. Os “batalhadores brasileiros (expressão que intitula do livro do sociólogo mineiro Jessé Souza) estão invictos. Foram eles os responsáveis por Collor, Fernando Henrique, Lula e Dilma subirem a rampa do Planalto.
Minto. Houve uma exceção. As eleições de 2002, de confronto entre Lula e Serra. Se examinarmos os mapas eleitorais, naquela ocasião, pela primeira e única vez, houve um equilíbrio entre os dois principais candidatos na captura do voto da pobreza. Esse equilíbrio seria rompido para não mais ser desfeito nas eleições seguintes, quando os pobres maciçamente optaram por Lula versus Alckmin.
Os pobres não são a direção política do processo – tanto que jamais elegeram diretamente um deles. Lula não era um pobre, mas um dirigente da elite partidária brasileira, que começou a carreira como liderança sindical. Contudo, quem pretender fazer alguma coisa relevante em eleições presidenciais – e quem sabe até vencê-la – em primeiro lugar, deve falar uma linguagem compreensível a esses milhões de batalhadores brasileiros, que saem cedo casa para trabalhar no mercado formal ou informal e só retornam tarde da noite, e pescam informação e formam opinião pela televisão, pela igreja, pelo time de futebol, em lugar do livro ou da cartilha doutrinária das ideologias da política, sejam liberais ou comunistas. A opinião desses milhões de brasileiro, em suma, é ágrafa, oral e imagética.
Não é fácil falar e as pessoas prestarem a atenção. Tudo é muito rápido, seja na Central do Brasil ou no Terminal Rodoviário de João Pessoa. Os tucanos, por exemplo, perderam a capacidade de diálogo com os pobres desde o fim das virtualidades encantatórias do Plano Real. Rigorosamente, as massas não entendem o que eles falam. Nas eleições passadas, pouco entendeu do discurso de Alckmin ou Serra. Do quilo tucano não se extrai uma grama. No caso das três primeiras tentativas frustradas de Lula (1989, 1994, 1998), talvez compreendessem o que ele falava, mas tinham medo. Depois de 2003, o espectro medo acabou.
Os eleitores decisivos votam concentrado por faixa de renda como também por região. Por isso, a importância do nordeste – a região que reúne o maior número relativo de pobres – é sempre fundamental nas eleições presidenciais brasileiras. Até hoje, após 1989, nenhum dos presidentes vencedores perdeu no Nordeste.
Na Itália, o filósofo comunista Antonio Gramsci estudou a existência na velha bota da chamada “questão meridional”, a desigualdade estrutural entre o sul pobre e o norte rico, em termos relativos, renitente até hoje, basta lembra a sanha separatista da Liga Norte (o segundo partido da coligação de Berlusconi). Pois bem, no Brasil, o cientista político André Singer, em seu interessante livro “Os sentidos do Lulismo”, aproveitando a expressão de Gramsci, concebeu a nossa “questão setentrional” (a desigualdade estrutural entre o nordeste pobre e o sudeste rico, aliás, uma das forças motrizes de nossa concentração industrial no sudeste).
A semana que está prestes a acabar foi muito animada politicamente, principalmente por contra as escaramuças de poderes entre o legislativo e o judiciário. No entanto, sem desprezar a hipotética gravidade de uma crise institucional entre os poderes, os elementos decisivos do bloco histórico devem ser localizados nas transformações moleculares, subterrâneas, nas possibilidades dos deslocamentos de classe e de voto regional. Este é o elemento de medo da coligação governista de uma candidatura com peso no nordeste. Aparecer uma tendência dos pobres anônimos do nordeste desligar do bloco histórico dominante, que criou o bolsa-família, elevou o salário mínimo e expandiu o crédito e recentemente, enfim, incorporou à CLT o trabalho servil-doméstico.
Seria a candidatura de Eduardo Campos realmente uma ameaça a uma ruptura “setentrional” do bloco histórico do lulismo? Por enquanto, está longe disso. O programa de televisão do PSB nesta semana (quinta-feira, 25/04), assessorado por Duda Mendonça e Antonio Lavareda, foi um show de competência técnica. Todavia, o slogan “é preciso fazer mais” (quase uma repetição do slogan de Serra nas eleições de 2010) é absolutamente insuficiente como síntese de uma proposta eleitoral.
Sem dúvida, o lulismo passa por um momento de entressafra, e as perspectivas econômicas não sorriem mais como no passado recente. Para piorar ao lulismo, o nordeste vive a seca mais cruel em cinqüenta anos, a transposição do Rio Francisco foi para as calendas gregas e as questões regionais e federativas (royalties e partilha dos impostos federais) se avizinham explosivas. Mesmo assim, esses problemas, por si só, dificilmente invertem uma tendência de cisão dos pobres e do nordeste com o bloco histórico dominante. A mensagem ainda não desceu e se generalizou nas massas.
(Eduardo Campos e o Lulismo)
Enganam-se os que pensam que a burguesia, o capital financeiro ou os grandes proprietários rurais ganharam sozinhos todas as eleições presidenciais desde o retorno democrático de eleições presidenciais em 1989. Desde aquela data, os pobres (hoje chamados de “nova classe média” ou “nova classe trabalhadora”, antes conhecida como “descamisados”, ou vistos de fora, na canção de Garoto e Chico Buarque como “gente humilde”, nunca perderam eleições presidenciais brasileiras. Os “batalhadores brasileiros (expressão que intitula do livro do sociólogo mineiro Jessé Souza) estão invictos. Foram eles os responsáveis por Collor, Fernando Henrique, Lula e Dilma subirem a rampa do Planalto.
Minto. Houve uma exceção. As eleições de 2002, de confronto entre Lula e Serra. Se examinarmos os mapas eleitorais, naquela ocasião, pela primeira e única vez, houve um equilíbrio entre os dois principais candidatos na captura do voto da pobreza. Esse equilíbrio seria rompido para não mais ser desfeito nas eleições seguintes, quando os pobres maciçamente optaram por Lula versus Alckmin.
Os pobres não são a direção política do processo – tanto que jamais elegeram diretamente um deles. Lula não era um pobre, mas um dirigente da elite partidária brasileira, que começou a carreira como liderança sindical. Contudo, quem pretender fazer alguma coisa relevante em eleições presidenciais – e quem sabe até vencê-la – em primeiro lugar, deve falar uma linguagem compreensível a esses milhões de batalhadores brasileiros, que saem cedo casa para trabalhar no mercado formal ou informal e só retornam tarde da noite, e pescam informação e formam opinião pela televisão, pela igreja, pelo time de futebol, em lugar do livro ou da cartilha doutrinária das ideologias da política, sejam liberais ou comunistas. A opinião desses milhões de brasileiro, em suma, é ágrafa, oral e imagética.
Não é fácil falar e as pessoas prestarem a atenção. Tudo é muito rápido, seja na Central do Brasil ou no Terminal Rodoviário de João Pessoa. Os tucanos, por exemplo, perderam a capacidade de diálogo com os pobres desde o fim das virtualidades encantatórias do Plano Real. Rigorosamente, as massas não entendem o que eles falam. Nas eleições passadas, pouco entendeu do discurso de Alckmin ou Serra. Do quilo tucano não se extrai uma grama. No caso das três primeiras tentativas frustradas de Lula (1989, 1994, 1998), talvez compreendessem o que ele falava, mas tinham medo. Depois de 2003, o espectro medo acabou.
Os eleitores decisivos votam concentrado por faixa de renda como também por região. Por isso, a importância do nordeste – a região que reúne o maior número relativo de pobres – é sempre fundamental nas eleições presidenciais brasileiras. Até hoje, após 1989, nenhum dos presidentes vencedores perdeu no Nordeste.
Na Itália, o filósofo comunista Antonio Gramsci estudou a existência na velha bota da chamada “questão meridional”, a desigualdade estrutural entre o sul pobre e o norte rico, em termos relativos, renitente até hoje, basta lembra a sanha separatista da Liga Norte (o segundo partido da coligação de Berlusconi). Pois bem, no Brasil, o cientista político André Singer, em seu interessante livro “Os sentidos do Lulismo”, aproveitando a expressão de Gramsci, concebeu a nossa “questão setentrional” (a desigualdade estrutural entre o nordeste pobre e o sudeste rico, aliás, uma das forças motrizes de nossa concentração industrial no sudeste).
A semana que está prestes a acabar foi muito animada politicamente, principalmente por contra as escaramuças de poderes entre o legislativo e o judiciário. No entanto, sem desprezar a hipotética gravidade de uma crise institucional entre os poderes, os elementos decisivos do bloco histórico devem ser localizados nas transformações moleculares, subterrâneas, nas possibilidades dos deslocamentos de classe e de voto regional. Este é o elemento de medo da coligação governista de uma candidatura com peso no nordeste. Aparecer uma tendência dos pobres anônimos do nordeste desligar do bloco histórico dominante, que criou o bolsa-família, elevou o salário mínimo e expandiu o crédito e recentemente, enfim, incorporou à CLT o trabalho servil-doméstico.
Seria a candidatura de Eduardo Campos realmente uma ameaça a uma ruptura “setentrional” do bloco histórico do lulismo? Por enquanto, está longe disso. O programa de televisão do PSB nesta semana (quinta-feira, 25/04), assessorado por Duda Mendonça e Antonio Lavareda, foi um show de competência técnica. Todavia, o slogan “é preciso fazer mais” (quase uma repetição do slogan de Serra nas eleições de 2010) é absolutamente insuficiente como síntese de uma proposta eleitoral.
Sem dúvida, o lulismo passa por um momento de entressafra, e as perspectivas econômicas não sorriem mais como no passado recente. Para piorar ao lulismo, o nordeste vive a seca mais cruel em cinqüenta anos, a transposição do Rio Francisco foi para as calendas gregas e as questões regionais e federativas (royalties e partilha dos impostos federais) se avizinham explosivas. Mesmo assim, esses problemas, por si só, dificilmente invertem uma tendência de cisão dos pobres e do nordeste com o bloco histórico dominante. A mensagem ainda não desceu e se generalizou nas massas.
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