O protesto agoniza
Jaldes Meneses
Perguntava-se nas bolsas de apostas até quando e aonde iriam as mobilizações
que eletrizaram o Brasil desde o dia 13. Arisco o palpite que esses movimentos
viveram o apogeu ontem, devem sobreviver na próxima semana e até um pouco mais,
mas já com impulso social agonizante. Isso não quer dizer que não aconteça um
segundo ciclo de mobilizações, adiante, pois parece que a praça e a avenida
retornaram para valer e ficar na política brasileira. Apenas começou, no começo
do inverno, a primavera brasileira.
Relativo ao até aonde foram as mobilizações, o movimento já produziu
estragos indeléveis e duráveis na governança do bloco lulista no poder, que
governa o Brasil há 10 anos.
Em primeiro lugar, o esforço propagandístico em torno da copa e dos jogos
olímpicos – fundamentais à imagem internacional do país como nação emergente –
foi destroçado. Em vez de lustrar as reputações dos donos do poder, os jogos
viraram momentos de exposição e desmoralização de alta voltagem. Aprendemos com
os filósofos de franceses de meia/oito que os movimentos sociais criativos
criam sua própria simbologia. Se assim o for, o refrão “queremos hospitais
públicos padrão FIFA” desconstrói de alto a baixo os discursos de
contingenciamento neoliberal dos recursos em educação, saúde, mobilidade urbana
e segurança pública. Como o governo Dilma, acossado pela inflação e a alta do
dólar, quevinha se encaminhamento para readaptar essas políticas neoliberais às
atuais constrições, se quiser continuar a privar da condição de favorito nas
próximas eleições, ao contrário, terá de abrir as torneiras do investimento
social. Não é fácil.
Em segundo lugar, resultado das acerbas críticas ao sistema político vigente
nas manifestações, a coligação de poder PT-PMDB tornou-se praticamente um
estorvo. Essa coligação tinha utilidade no tempo em que a governança se resumia
a administrar a sede fisiologista de um parlamento repleto de raposas e hienas.
No entanto, o PT, principalmente, se quiser readquirir o prestígio,
necessariamente, terá que vir à nação propondo uma plataforma forte de reformas
políticas e econômicas. Não é mais suficiente fazer suficiente fazer mais do
mesmo.
Mais formidável movimento de massas desde o “fora Collor”, os atuais
movimentos já nos fornecem precocemente os seus primeiros desiludidos: as
forças políticas de esquerda, inclusive as que começaram toda essa
movimentação, como o MPT (Movimento Passe Livre) - a frágil, mas existente,
direção política das primeiras movimentações - que antes afirmava que 20
centavos nada significava e no dia de hoje ensarilhou as armas. Nos demais
estados, certamente, movimentos assemelhados deverão repetir o gesto. Não
puderam levam à frente a revolução permanente na qual pensavam que estavam
conduzindo o país. Essa esquerda é boa para começar processos, contudo, não tem
ainda base nem inserção social para conduzir movimentos de massas da dimensão
que este adquiriu. Por outro lado, as novas massas sociais do protesto vêem de
duas origens bem distintas: setores da classe média que dizem detestar a
política que aí está e, principalmente no Rio de Janeiro, um nicho de outsiders
desgarrados do subproletariado ou filhinhos do papai (a imprensa
chama-nos de “vândalos”), desempregados ou força de trabalho do crime
organizado, dispostos a jogar a primeira pedra a qualquer ordem de comando.
Sem dúvida, as manifestações de ontem significaram uma inédita e fenomenal
passagem das mobilizações da esquerda à direita (a proibição das bandeiras dos
partidos de esquerda pelo público presente aos atos tem esse significado de
fundo). Adorno, filósofo marxista alemão, previa esses tipos de passagem em
suas teorias e os chamava de “interconversão” (a passagem da extremas esquerda
à direita sem mediações, e vice-versa). Mas nada está decidido e novas
interconversões deverão haver, pois mais que ter uma cara ideológica pura, o
movimento é misturado e indeterminado, neste aspecto se parecendo com o
protesto Grego, que reuniu os extremos na praça desde a esquerda (o Syriza)
como a direita (o movimento Aurora Dourada). De todo modo, o gênio saiu da
garrafa, e o futuro do país, necessariamente, daqui para frente, passa pelos
resultados, conseqüências e balanços das atuais mobilizações.
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