Enquanto seu lobo não vem


Sobre as jornadas de junho

Jaldes Meneses

    Nunca vou esquecer-me de junho de 2013. Fui a muitas passeatas, caminhadas e reuniões deste mês colorido e fabuloso. Estive no chão do assalto como se procurasse beijar a uma flor escondida. Vi ao meu lado, conversando comigo, o flaneur de Walter Benjamin (seu nome verdadeiro é Baudelaire em 1848, todos nós sabemos) e o gauche na vida de Drummond. Quanto ao jovem circunspecto, munido de uma cartolina e uma frase inteligente, não tive dúvidas: chama-se Guy Debord. Havia, numa encruzilhada da avenida, também um comício. Já sei: escutei palavras bonitas do novo Lênin do PSTU, quem sabe rumo à estação Finlândia?

   Adiantei-me ao ritmo da passeata. Uma moça parecida a uma Lolita postava uma mensagem com foto no Facebook a amigos brasileiros em curso de férias em Londres. Nada pensei. Preferi ficar mudo e apreciar a beleza. Isto é a felicidade, pois Vinicius está fazendo 100 anos.

   Voltei ao pelotão de trás. Os vândalos estavam munidos de seus coquetéis molotov, à espreita de incendiar o Palácio ou o banco. A chama incandescente e instantânea do fogo – assim como a da bailarina – é bonita desde quando Nero tocou fogo em Roma. Mas foi também da prova do mesmo fogo que a reação tocou fogo em Paris em 1871 e assassinou os comunardos. O fogo é ambivalente.

   Preferi voltar ao miolo da passeata. Lá estava o pessoal mais insosso, a turma do Ato Médico, do Exame de Ordem e da PEC 33. Me dei bem com essa turma, tanto que corrigi uma cartolina na qual constava – para minha surpresa – uma alusão ao “ordem e progresso” da bandeira nacional. Na verdade, disse, a frase do velho Comte é “amor, ordem e progresso”.

  Minha aluna LGBT passou por mim, me estranhou entre os médicos e bacharéis, e resolveu me apresentar aos companheiros de seu grupo. Não sei qual o motivo, mas me veio à cabeça a história do escritor brasileiro Lúcio Cardoso, do tempo em que ninguém podia se assumir em praça pública que era gay e o drama da opção sexual só podia ser vivido escondido, nos bastidores. Tristes tempos.

   Logo passou como um furacão, atropelando os blocos organizados, a divisão da marcha da maconha. Um rapaz do Movimento Passe Livre foi reclamar que não foi isso o combinado, embora não fosse contra o baseado.

  Tive dificuldades em divisar colegas de profissão. Fiquei triste. Não fosse por isso.... Me salvou uma colega da antropologia, junto às duas filhas, que vieram com mãe, militante dos tempos das diretas-já. Percebi depois que não havia apenas a colega da antropologia, despercebido, atrás de mim, havia incógnito um colega da engenharia, me dando um abraço e comentando aqueles tempos de movimento estudantil.

  Há uma cordilheira sobre o asfalto. Vamos passear na floresta escondida, meu amor. Nunca vou me esquecer de junho de 2013.              

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