Dos Black Blocs à Mídia Ninja
Jaldes
Reis de Meneses
Faço um pequeno corte de depoimento pessoal. Estive a 15 dias em um estimulante debate, na condição de convidado como um dos expositores (junto com o Professor Ângelo Emílio e um participante do Movimento Passe Livre, de cujas falas aprendi), promovido pela ANPUH-Paraíba (a Associação dos profissionais de História), a respeito das recentes mobilizações sociais brasileiras. Na ocasião, repeti um de meus motes recentes, de que o “partido das ruas” não foi criado e, por isso, pelas mais intricadas e bizarras maneiras, inevitavelmente as reivindicações das ruas serão, quase todas, de alguma maneira, remasterizadas pelo sistema político que aí está. Ao bom realista, de novidade institucional, as ruas trouxeram – em que pese o desgaste mometâneo e talvez conjuntural do governo Dilma – uma clara inflexão à esquerda e um aumento astronômico do pedágio de governabilidade do PMDB. Entre os adeptos dessa tese controvertida, o mais radical foi sem dúvida o meu querido professor Chico de Oliveira, para quem, se não falseio o pensamento, “as ruas não foram nada demais”.
Logo um dos participantes dos protestos me questionou. – Talvez o professor não saiba, mas o novo partido está sendo criado, eu mesmo venho me articulando freneticamente pela internet. Quem duvida?
Por mais que as novas ideias circulem e sejam bem-vindas, elas possuem nítida ancestralidade. Se acaso são novas, não são precisamente inéditas. Dar uma de gostosão e ligado em novas mídias, em novas articulações políticas, ideológicas e novas prestidigitações tecnológicas, não passa de conversa fiada. É mais ou menos como o transeunte mandou Luiz respeitar a Januário.
Mesmo a violência dos Black Blocs não é necessariamente uma novidade, um raio em céu azul. O uso calculado da violência compõe, por exemplo, a polifonia das passeatas de 1968, nas quais havia dois nítidos agrupamentos, a turma da “acumulação de forcas” (o PCB e o bloco intelectual nacional-popular) e o pessoal da “luta armada” (as dissidências de Marighela, de Mário Alves, do PCdoB, os brizolistas, alguns polopistas, etc.). Mesmo antes, o próprio PCB, no Manifesto de Agosto de 1950, já havia proposto e agenciado a violência revolucionária. Em alguns momentos fugazes – eu tenho experiência disso –, a ideia da violência revolucionária angariou apoio em manifestações esporádicas. O problema entre nós não é este, mas organizar a violência permanente; para bom entendedor de meias palavras: conquistar o Estado, a regência do poder sobre (ou do) a reprodução e o cotidiano.
Evidentemente – até pela exceção de que se enfrentava uma ditadura em vez de uma democracia liberal –, a proposta de violência dos Black Blocs não bebe entre suas principais referências históricas a esquerda brasileira (pensam que os governos e os estrategistas do PT surgiram à tôa?, até para desmontá-lo é preciso entendê-lo), mas da vertente mais radical dos movimentos europeus de 1968, principalmente as vertentes neo-anarquistas sobreviventes.
Essas vertentes têm longa história de resistência (basta dar uma espiada na internet) ao capitalismo tardio e à cultura neoliberal. No entanto, é importante que se perceba, ao longo de mais de duas gerações, que jamais conseguiram realmente formular uma proposta de conteúdo social realmente hegemônico. Nunca passaram da resistência. Não vale arguir à tese acaciana número um do mau estrategista político, para quem a conjuntura atual “revela o acerto de nossas propostas”, quando se esquece que, em algum momento, o relógio vai bater meia noite para todo mundo.
Afora o frankfurtismo de salão que lhes é inerente (que, aliás, Adorno abominava), da leitura dos manifestos políticos dessas correntes pode-se concluir uma estratégia épica de monumentalização (desculpem-me a expressão) dos episódios pontuais (a manifestação, o quebra-quebra, etc.), em detrimento do cotejo das relações de forças, sempre mais difícil, que envolvam as maiorias. Confundem, enfim, estética com política. Já que Nero tocou fogo em Roma como supremo ato estético, por que não repeti-lo?
Refaço a minha tese e talvez o atual momento seja instituinte, nunca se sabe bem. Torço que seja. Para tanto, propostas como a da Mídia Ninja (e da Marcha das Vadias, do movimento LGBT, etc.), um misto de cinema direto e imprensa alternativa, recriando em pleno solo audiovisual brasileiro uma espécie de Marat editando L'ami du peuple em 1794 (recomendo a quem não entendeu a referência a consulta a algum site da Revolução Francesa), devem seguir sua evolução, relatar e filmar o que é feito, até um dia encontrar no asfalto o povo espezinhado da favela., que muitas vezes é feio, desdentado, anti-estético, moralista, preconceituoso, reformista e... religioso. Ai o sertão vai virar mar. Se entrega Corisco! (Quem não entendeu as frases finais, recomendo assistir a “Deus e o diabo na terra do sol, do velho Glauber).
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