Mídia Ninja


Jaldes Meneses[1]

            Poucas vezes vi um enxovalhamento moral tão rápido na imprensa como o que passou o tal de Pablo Capilé e seus consortes do movimento “Fora do Eixo”, responsável pela cobertura ao vivo das passeatas de junho na internet através da “Mídia Ninja”, que passou de príncipe a sapo em questão de segundos.
É preciso saber separar o joio do trigo. Quando aconteceu o quebra-quebra do Leblon, acompanhei madrugada adentro pela internet os imagens tremidas do Mídia Ninja. De imediato, comparei o cobertura livre que via às da Guerra do Iraque e do 11 de Setembro pela televisão, quando as imagens espetaculares foram filtradas, através do trabalho dos correspondentes de guerra e dos canais a cabo, em comum acordo com os interesses do Departamento de Estado Americano.
Na cobertura anárquica do Mídia Ninja, ao contrário, não se vê a presença do Estado, por mais que se queira implicar com os editais públicos ganhos pelo Capilé e seu pessoal. Incomodada com a liberdade, a crítica da grande imprensa (e também de alguns jornalistas profissionais) ao modo de vida dos Falanstérios do “Fora do Eixo” visa atingir com uma cortina moral precisamente o núcleo estético da proposta do Mídia Ninja, que, aliás, nem é deles, mas também de vários outros grupos de jovens jornalistas recém-saídos das universidades e sem espaços na mídia tradicional em crise.  
Pode ser que as tendências utópicas de criar Falanstérios (as comunidades utópicas concebidas por Charles Fourier no século XIX) Brasil afora do “Fora do Eixo” sejam realmente equivocadas. Conheço bem as teses anarquistas, mesmo as reinventadas no espírito da contracultura dos sixties. Elas estão longe de me seduzir. Neste caso, embora talvez as propostas organizativas do “Fora do Eixo” tenham provado do próprio veneno, persiste na proposta do Mídia Ninja um núcleo duro estético e político consistente e contemporâneo, que me lembra o começo do cinema novo.
Um celular na mão e uma ideia na cabeça. Propõe-se a filmar a rua munido de um Blackberry como já se filmou um dia em “Aruanda” sem filtros de sol, a câmara aberta e tremidas passeando pelas manifestações recordam os torneios de Glauber Rocha, a solidariedade dos transeuntes aos repórteres alternativos é tão bonito quanto a combinação de Elizabete Teixeira a Eduardo Coutinho em “Cabra Marcado prá Morrer”. A diferença entre o cinema novo e a Mídia Ninja é que o Brasil não é mais rural e nem a proposta da esquerda nacional-popular e os meios de produção de imagem estão ao alcance de qualquer um. Este o núcleo que deve ser preservado.


[1] Professor Associado do Departamento de História (UFPB). e-mail: jaldesm@uol.com.br.

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