Dom José/Dom Zumbi
Jaldes Meneses
Dom José Maria Pires é um personagem de epopéia em carne e osso. Pensava nestes termos no instante em que participava da solenidade de entrega do Título de Professor Honoris Causa da UFPB, a minha Universidade, a Dom José Maria Pires, ex-Arcebispo da Paraíba entre 1966 e 1996.
Porém, nada de uma epopéia remota ou distante – uma Ítaca cantada por Homero ou um mar oceano de Camões. Mas, isto sim, um personagem afirmativo de “nossa” epopéia, aquela que se desenrolou rente a nós, seus contemporâneos, jovens ou velhos, no preciso momento em que vivíamos as nossas atividades cotidianas, tantas vezes exercitávamos nossos rituais de acordar, trabalhar e estudar que nem prestávamos a devida atenção à verdadeira epopéia vivida na Paraíba nos tempos sombrios de resistência à ditadura militar. Embora Dom José também seja conhecido como “Dom Pelé”, nome digno de epopéia é Dom Zumbi.
Dom Zumbi mantém-se rixo e forte como um Olmo aos 94 anos. Leu o seu belo discurso de agradecimento ao panegírico da proponente do título, professora Socorro Xavier, de pé como um guerreiro, prescindindo do auxílio de óculos de grau, dotado de uma voz firme e pousada na medida certa das palavras. Foi um discurso memorialístico, repleto de experiências de vida e exemplos de fé, contudo, esteve distante de ser um discurso melodramático ou piegas. Ao contrário. A medida de temperança sempre foi uma virtude cultivada nos heróis das grandes epopéias. Impressionante.
De onde este olmeiro nascido em Minas retira tanta força? Em primeiro lugar, do sentimento de justiça, misturado a uma fé inquebrantável Foi precisamente na mistura de fé e justiça que deu a o Zumbi paraibano por adoção a coragem, mesmo nos momentos mais difíceis, enfrentar um antagonista mais poderoso como os militares. E enfrentá-los desarmado, munido da mais paradoxal das ideologias políticas, a da não-violência, que Dom José sempre deixava bem claro nos discursos.
Dom José aprendeu a exercitar a prática política da não violência ante um antagonista feroz com os grandes místicos, numa sequência de Jesus até Ghandi. Mas ao mesmo tempo foi um socialista da não-violência convicto. Deixem-me contar uma pequena indiscrição da fé socialista de Dom José. Ele preferiu ocultar o autor da frase, mas fez questão de citar Marx em seu discurso. Ele lembrou aquela passagem da Crítica ao Programa de Gotha na qual Marx mais ousa em desenhar a futura sociedade comunista, aquele regime que dará a cada um conforme suas necessidades e receberá de cada um conforme as suas necessidades.
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