Eduardo Campos


Jaldes Meneses

            Para mim está claro como água límpida de riacho: Eduardo Campos será candidato à presidente da República em 2014 e tem na algibeira um projeto amadurecido de projeção por pelo menos oito anos. Ele sabe muito bem que haverá segundo turno.
Ora, se houve segundo turno em 2010, e um surpreendente José Serra – menos por méritos pessoais e mais pela polarização ideológica brasileira – obteve inexplicáveis (entenda-se tanto voto diante de uma tão amadorística e dividida campanha!) e expressivos 44 milhões de votos, imaginem em 2014, quando, apesar de não se confirmarem as prédicas catastrofistas tucanas de falência econômica dos países emergentes, por outro lado, a economia estará longe de sorrir um ciclo virtuoso nos moldes de 2010. Viram o fiasco do leilão das estradas e do petróleo? Ainda pior, diante da promessa de mobilizações durante o período da Copa do Mundo, que mesmo que não repitam as mobilizações de junho – neste caso em 2014 –, deverão continuar uma incomoda pedra no sapato. Ou alguém acredita que não haverá mobilizações pela educação e saúde padrão FIFA na porta dos estádios?
À preço de hoje, nas pesquisas, Campos é o quarto lugar, mas pode ser o fiel da balança em uma disputa que promete ser renhida entre Dilma, Marina e Aécio. Ainda poderá haver um quinto candidato competitivo que ninguém fala – nem os institutos de pesquisas. Contudo, este hipotético candidato poderá constituir-se nas próximas eleições numa nova força eleitoral pela esquerda, amealhando votos nos centros urbanos do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, principalmente – se tiverem juízo e formularem uma plataforma coerente de unidade –, que vem a ser um candidato da aliança PSOL-PSTU-PCB (digamos, um Marcelo Freixo). Os jovens das ruas, dos grandes centros urbanos, vão votar em quem mesmo? Somente em Marina? Do meu ponto de vista, não será surpresa que a força da unidade da esquerda à esquerda do PT , acaso constituída, consiga ampliar a bancada deputados federais (portanto, atingir o ponto de corte do coeficiente eleitoral) e contribuir para forçar um segundo turno à presidente da República.   
Caso seja mesmo o quarto lugar, não haverá prejuízo a Eduardo Campos. Certamente ele estará a cavalheiro para escolher entre Dilma e seu concorrente (Aécio ou Marina). Se escolher apoiar o PT no segundo turno, certamente a barganha com a chapa governista envolverá, mais além de ministérios, as eleições de 2018, e os anísios maias da vida terão de amargar uma convivência com um PSB muito melhor posicionado na aliança governista-lulista que nos dias correntes, na qual o PT encaminha a solução óbvia de uma aliança com um PMDB decadente e velhíssimo de guerra.
Por outro lado, se optar por um bloco norteado pelo duo Marina-Aécio, formando uma tríade, um caminho mais difícil, haverá a vantagem de se tentar formar um bloco mais permanente de oposição, principalmente em se levando em conta que o PT, em 2018, passará pelo inevitável teste de desgaste de 16 anos de exercício do poder federal, embora, é claro, se possa ter na agulha (se a saúde permitir) a bala de canhão do charme histórico de Lula.
Deixem-me fazer um pequeno excurso histórico, comparando neto e avô. Afora a genética, existe uma afinidade de longo prazo entre algumas práticas de concertação de alianças políticas entre Miguel Arraes e o neto, Eduardo Campos, que no seu sentido mais profundo diz respeito à estruturação das classes sociais em Pernambuco e no nordeste. Certamente o neto aprendeu muito com o avô. Talvez isso ajude a explicar por que tanto o velho Arraes, no passado, como Eduardo Campos, no presente, no sentido de que, sempre alinhados politicamente e programaticamente à esquerda, nunca circunscreveram, de caso pensado, simplesmente a este espectro o sistema de alianças.
            Miguel Arraes e a Frente Popular de Pernambuco subiram no palanque de seu contraparente usineiro Cid Sampaio nas eleições de governador em 1958. Foi secretário de Cid no primeiro ano de mandato, quando saiu do governo para seu eleito prefeito do Recife numa bela campanha de massas, recebendo a contrapartida do apoio do governador. Em seguida, diante da radicalização política, nas eleições de 1962, Cid retirou o apoio à Frente Popular e apoio do adversário derrotado de Arraes, João Cleofas.
Estaria Miguel Arraes no começo da construção do mito em que se tornou praticando a conciliação ou a traição de classes e abdicando de um programa de reformas? De maneira alguma. É preciso compreender que as classes sociais fundamentais do capitalismo, a burguesia urbana e o proletariado fabril, estavam em processo de constituição no nordeste, em processo cujo epicentro era o Recife tantas de lutas heróicas. Por isso, o porta-voz político dos trabalhadores – a Frente Popular – não poderia ter o mesmo tipo de constituição de alianças, plenamente classista e diferenciado, que tiveram, por exemplo, as frentes populares européias, de que o exemplo paradigmático foi a Frente Popular francesa (1935-1938).
Escreveu-se rios de tintas sobre o acordo fordista entre os trabalhadores, a burguesia e o Estado que deu origem, depois da Segunda Guerra Mundial, ao projeto de capitalismo democrático do Welfare State. Até mesmo alguns sociólogos brasileiros descobriram afinidades eletivas entre a classe operária do ABC, lastro do PT, e a constituição de um partido social-democrático à brasileira. Subindo o meridiano, se esta precisando estudar melhor o primeiro esboço de um compromisso de classe em Pernambuco, que foi o famoso “Acordo do Campo” (1963), o primeiro feito no país entre trabalhadores rurais e usineiros, arbitrado pelo governador Arraes, elevando os salários e melhorando as condições Zona da Mata. A seu modo periférico, estava-se formulando um tipo de regulação o, senão fordista, ao menos em direção ao capitalismo pleno, no qual os direitos de cidadania estão parte constitutiva.
Tornou-se clássica a explicação para o golpe civil-militar de 1964 a tese de que aliança populista começou a se esfacelar no nordeste, pois não havia espaço para a reforma agrária e a extensão dos direitos sociais recém-conquistados (ou outorgados) pelos trabalhadores urbanos a seus congêneres do campo. Neste sentido, o “Acordo do Campo” em Pernambuco estava à frente de seu tempo.
Não deixa de ser simbólico o sortilégio de que exatamente um neto de Arraes, anos mais tarde, em outro Brasil, novamente esteja conduzindo um processo de aceleração da modernização em Pernambuco, de que a construção de uma montadora de automóveis – a Fiat – é um dos principais emblemas. Resta saber se o sistema de alianças ao centro do espectro político mantém-se organicamente atual. Talvez sim; talvez não. Mas isto, caso Eduardo Campos se defina em vez candidato à Presidente da República, como penso, só poderemos avaliar conclusivamente após o resultado das urnas.

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