As dinâmicas de junho

Jaldes Meneses

Qualquer grande acontecimento social, político ou religioso gera no mesmo movimento interpretações contraditórias. Foi assim que em torno de legado de Maomé se formou a tradição dos sunitas e xiitas e de Lênin os stalinistas e trotskistas. Não poderia ser diferente no caso das mobilizações sociais que varreram o Brasil em junho. Esses acontecimentos já se transformaram, mais que movimentos importantes como o Fora Collor ou as Diretas-Já, de análise mais simples, em um enigma interpretativo a várias escolas do pensamento. Finalmente, tivemos no Brasil um acontecimento, digamos assim, contemporâneo, ao estilo do maio de 68 francês, uma explosão de sociedade civil que até hoje desafia o entendimento. Do mesmo jeito, nos anos futuros teremos uma guerra interpretativa versando o que efetivamente estamos fazendo hoje nas ruas brasileiras, produzindo o melhor e o pior da teoria social.

Afora os intelectuais, esses profissionais da ideologia, mais uma porção de gente não está entendendo nada, especialmente os políticos tradicionais brasileiros, de que Sérgio Cabral, governador do Rio de Janeiro, é o exemplo mais patético. Eles insistem abordar os movimentos sociais, antigos ou novos, da mesma maneira convencional que eram tratados antes da explosão de junho. Cuida-se de combinar uma dinâmica formal e protocolar de negociação, seguido, quando se chega a um impasse na negociação, do ato insano de chamar a repressão. Em todos os movimentos que ocorreram até o momento, a começar pelo Passe Livre em São Paulo, a repressão policial, em vez de refluir as ações, estourou incorporando novos segmentos sociais, principalmente os jovens, produzindo a anexação de novas demandas ao Estado, através de grandes passeatas, que via-de-regra terminam em quebra-quebra pelas ruas do centro da cidade. Uma luta específica, seja salário ou passe-livre, transforma-se numa cocha de reivindicações de massas que querem tudo ao mesmo tempo agora. Eis enfim descrito o que começo a chamar de “a dinâmica de junho”.

Foi exatamente o que aconteceu a poucos dias na greve dos professores municipais do Rio de Janeiro: uma reivindicação específica salarial e de carreira, mas logo que a repressão policial surgiu, transformou-se numa explosão social. Qual o motivo? Em suas camadas mais profundas, a dinâmica de junho, de mesma maneira que o maio de 68 francês, precisa ser vistos também como sintoma. Existe no Brasil um grande mal-estar na juventude. Eles não lutaram conta ditaduras militares, como costumar se jactar seus pais, mas sobrevivem ao inferno da vida numa grande cidade de terceiro mundo, acossados pela velocidade de todos os fluxos, desde o trânsito à internet. Um dia chega a explosão, mano.

Comentários

Anônimo disse…
Cabral sempre buscou a melhor forma de lidar com esses movimentos, que são muito recentes.

Postagens mais visitadas deste blog

Resenha

Vinícius de Moraes: meu tempo é quando

Colômbia: 100 anos de solidão política