O Fim de Fernanda Torres
Jaldes
Meneses
Li
no fôlego de uma noite de verão, deitado na varanda do apartamento o romance-novela
de estréia da atriz Fernanda Torres – “Fim” (Companhia das Letras, 2013). Já admirava
a surpreendente cronista pela escrita elétrica, agora me aparece na brisa
noturna uma escritora já antevista na crônica, de frases curtas depuradas de
adversativas, em pleno domínio das técnicas narrativas, com destaque, como
afirma corretamente o poeta Antonio Cicero na orelha do livro, para as
magistrais instâncias de fluxo de consciência. Um estilo denso e enxuto, como se
fosse um Marcel Proust lipoaspirado por Rubem Fonseca.
O
romance narra as peripécias de cinco amigos – Álvaro, Sílvio, Ciro, Neto,
Ribeiro – que se encontraram travestidos num carnaval carioca décadas atrás e
ficaram, resumindo numa frase banal, amigos para sempre, uma camaradagem como
só os homens formam, no estilo mafioso, neste caso, sem crime, de “Os bons
companheiros” de Martin Scorsese.
Menos que um clássico “romance de formação” ou uma comédia de costumes carioca,
talvez se esteja diante de um “romance de geração”, daquela que floresceu ao
som do samba-canção e da bossa nova, amadureceu nos tempos do desbunde e da
ditadura, e começou a envelhecer nos desencantados anos 90, quando morreu, um
tanto prematuramente, o primeiro membro da confraria e o herói de todos os
demais, Ciro. Em sequência, morrem todos, até Álvaro sucumbir, da batida de um
automóvel destrambelhado, na garagem de seu prédio, no futuro 30 de abril de
2014.
Seria
uma obviedade ululante – para citar mais um cronista de adoção carioca – dizer
que se trata de um romance sobre a velhice. É mais sobre a vida, ou seja, o
processo de envelhecimento (e sofrimento) de todos nós desde que somos gerados.
Embora os principais protagonistas sejam homens, para mim, a mais densa
personagem do livro é feminina, Ruth, a mulher de Ciro. Na figuração de Ruth,
Fernanda consegue em poucas páginas um fenômeno de síntese: dá-nos de presente
uma personagem de romance realista do século XIX, às voltas com os tormentos de
idealização do amor, até se ver confrontada com o trauma lacaniano de que “o
amor não existe”, ou seja, trata-se de uma simbolização cujo limite é a crueza
da realidade de jamais se possuir o corpo do outro. Ruth não agüenta e fica
muda remoendo para sempre a perda de Ciro.
Se
for verdade que há algo de frívolo na tradição do romance carioca desde o
cafajeste Cassi Jones, em “Clara dos Anjos” de Lima Barreto (ancestral de todos
os boçais de Nelson Rodrigues e da pornochanchada), é exatamente da
profundidade de Ruth e Capitu que pode vir a redenção.
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