A natureza recalcada



Jaldes Meneses
            Duas leituras de férias me fizeram retornar a pensar a questão da natureza. Impossível não lembrar ser esta uma das questões clássicas do pensamento ocidental, desde pelo menos os tempos pré-socráticos, a respeito do qual já se escreveram oceanos de tinta.
As leituras foram a excelente reportagem com o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro (talvez hoje o mais conhecido cientista social brasileiro no exterior) na revista “Piauí”, e o denso e clássico ensaio “Eclipse da Razão”, de Max Horkheimer, escrito por um judeu alemão, exilado nos Estudos Unidos, enquanto na Europa o sangue da guerra jorrava, para refletir a queda da civilização alemã, burguesa, liberal e progressista, no pântano irracional do nazismo.

Aos menos afeitos em filosofia, cabe explicar que Horkheimer, menos conhecido que Adorno ou Marcuse, foi o principal criador do projeto intelectual da Escola de Frankfurt, que denunciou o controle instrumental da natureza pelo homem, observando – se me permitem os leitores resumir um raciocínio complexo em poucas linhas –, que este controle causa tanto o domínio do homem pelo homem como o retorno vingativo da natureza recalcada. Já Eduardo é um estudioso, formulador brilhante de uma nova compreensão dos índios como geradores de uma metafísica alternativa a ocidental, na qual natureza é cultura, uma teoria que ficou conhecida nos meios acadêmicos como “perspectivismo ameríndio”. Coincidiu que as leituras ocorreram em data intercalada a uma visita minha, acompanhando a minha mulher, Cida, às aldeias indígenas de Baia da Traição.
A aldeia-cidade de Marcação está simples e bonita, uma rua em estrada de barro com casinhas nas duas margens, no qual se divisa uma escola, um posto médico, antenas de televisão, como em qualquer pequena cidade brasileira. Um projeto recente dos índios em parceria com o governo do Estado limpou todas as margens do rio, tornando-o melhor navegável e mais apropriado à pesca, melhorando as condições tanto de sobrevivência como de negócio.
Não quero pintar um quadro idílico, ao contrário, exatamente no momento em que a questão indígena brasileira aflora em graves conflitos nas fronteiras agrícola do agronegócio em Mato Grosso, e o governo brasileiro empreende na Amazônia megaprojetos polêmicos como a Hidroelétrica de Belo Monte. O momento é crucial para um país que desde os tempos da colônia sempre foi conhecido no imaginário europeu pela natureza abundante. Precisamos, nós brasileiros, pensar melhor a nossa relação com a natureza. Simplesmente passar um trator por cima da floresta e dizer que os novos índios são falsificadores ou gigolôs de um passado ancestral, no preciso termo da expressão, é uma posição reacionária, às vezes vendida sob a capa de “esquerda” ou “desenvolvimentismo”.
Coincido com as posições da Escola de Frankfurt sobre a natureza, principalmente porque ela aborda a questão de maneira complexa, sem concessões a romantismos fáceis. O retorno idílico da comunhão que nunca houve não é mais possível. Por isso, é preciso estabelecer, antes que seja tarde, uma relação de equilíbrio, difícil de ser realizada, pois assim, pelo avesso do capitalismo ou do socialismo de caserna, estaremos penetrando no umbral de outra civilização.  

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