Protesto sem dono


Jaldes Meneses

            Previa a seis meses que não haveria grandes manifestações de protestos no período da Copa do Mundo no Brasil. Não se trata de subestimação da repercussão dos acontecimentos do ano passado, ao contrário, os tenho em alta consideração.
            Deixe-me explicar a minha análise arguindo uma analogia remota, juntando fios narrativos aparentemente tão destoantes quanto a fábula de Alice e do Chapeleiro Maluco: refiro-me a antessala do processo que desembocou na queda da República velha e oligárquica, em 1930, ou seja, a resistência dos “18 do Forte de Copacabana”, em 1922. À primeira vista, foi uma atitude “tresloucada” dos tenentes – um verdadeiro ato puro lacaniano –, no qual, dos 18 apenas 2, Siqueira Campos e Eduardo Gomes sobrevirem à carnificina das tropas fieis ao governo de Epitácio Pessoa, que cercaram os resistente e os metralharam sem dó. Se 18 resistentes começaram a mudar a história do Brasil, imaginem milhões nas ruas pedindo reformas políticas e sociais, a exemplo dos protestos do ano passado.
            Os acontecimentos de junho do ano passado foram um protesto com juízo e sem dono. Na sequência dos acontecimentos de junho, vários movimentos organizados fizeram um esforço de prolongar o juízo dos protestos. Contudo, faz-se imprescindível a uma análise que se pretenda rigorosa constatar: nenhum desses movimentos (autonomistas, anarquistas, black blocs, partidos à esquerda de oposição ao PT, etc.) demonstraram capacidade hegemônica de direção política da sociedade.
Qual o motivo? Esses movimentos exercitam, no geral, uma estratégia insurrecional de poder, de conflito direto e aberto de rua, semelhantes, em pleno século XXI, às barricadas das revoluções de 1848 e da Comuna de Paris (1871). Costumo ser provocativo em sala de aula quando afirmo, a propósito da Comuna de Paris, que “a comuna foi derrotada por que era comuna”. Ninguém entende. Dita a frase de efeito, explico-me citando Gramsci: para ele, o movimento da Comuna de Paris, embora sem dúvida prenunciasse, no termos de Marx e Engels, o horizonte de uma sociedade comunista, por outro lado, a derrota, também significava o esgotamento das estratégias insurrecionais de curto prazo.
Em entrevista recente de balanço de todas as primaveras que assaltaram o mundo, o coração e a periferia do sistema, desde o Egito até a Espanha, passando pelos Estados Unidos e o Brasil, o geógrafo marxista inglês David Harvey afirmou que há protesto, mas falta projeto (http://www.pagina13.org.br/economia-2/david-harvey-quer-alem-dos-protestos-um-projeto/). O ato inaugural simbólico brasileiro já aconteceu em junho do ano passado. Não há mais um segundo ato niilista a perpetrar. Doravante, deve-se ocupar o asfalto pensando o que fazer no dia seguinte, o que significa compreender a sociedade por inteiro, todas as classes e segmentos de classes, a complexa trama da sociedade civil e o Estado, não somente a economia e a relação de capital, mas também a história e a cultura de um país. 

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