A metafísica de Eduardo

Jaldes Meneses

Estava me preparando para escrever um artigo sobre a morte de Getúlio Vargas e recebo a notícia da morte de um político da nova geração brasileira, Eduardo Campos, exatamente no mesmo mês agourento de agosto.

Getúlio e Eduardo: sessenta anos são passados. Duas mortes trágicas - e diferentes - que abalaram o Brasil. Getúlio, cometendo o gesto agônico máximo do suicídio, pensado racionalmente como desfecho de uma crise política; Eduardo, político em ascensão, jovem e alegre, morto candidato à presidente da República ao acaso incompreensível de um acidente aéreo. Na confusão de referências da memória me vem à mente o verso de um poeta de minha predileção, coincidentemente desaparecido muito cedo, pouco mais de trinta anos completos, também de acidente aéreo, nas montanhas do Peru, em 1962, Mário Faustino: “Bateu-se delicado e fino, com/ Tanta violência, mas tanta ternura!”

Numa manhã chuvosa em Santos, tanta violência contra tanta ternura. Sempre é difícil aceitar a morte, antes de tudo porque a indesejada das gentes mexe com todos nós. Cito outro poeta, John Donne: mais do que por quem se foi, na verdade, os sinos dobram por todos nós.
 
Relembro de três políticos brasileiros que assisti morreram de acidente aéreo – o conterrâneo (de Eduardo) Marcos Freire, Ulisses Guimarães e Severo Gomes. No entanto, penso que pela circunstância de morrer no fogo de uma campanha eleitoral na qual começava a se tornar mais conhecido dos brasileiros, a notícia da morte precoce de Eduardo Campos coletivamente doeu mais, tornando-se um daqueles raros acontecimentos, seja a morte de Kennedy ou o atentado às Torres Gêmeas de Nova Iorque, em que sabemos exatamente o que estávamos fazendo ao recebermos a notícia da partida.

Por ter vivido parcos anos e partido como um cometa, o trabalho de luto de Eduardo dói mais. A morte nunca é bem recebida. Mesmo assim, resignamos e racionalizamos quando alguém morre em idade provecta. A melhor maneira de realizar a terapia do trabalho de luto, mesmo exagerando, é falar e repetir a obra e o exemplo do defunto. Desconfio das pessoas que fazem piadinha com a tragédia, da mesma maneira que considero estrábicas as análises que somente conseguem enxergar um pobre conteúdo de classe nas ações humanas. A morte, o mais metafísico (por que temer esta palavra?) de todos os temas, extrapola tanto o humor dos cínicos como a estreita visão de mundo do classismo antihumanista. A morte (e suas reações) é sempre humana, demasiado humana.

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