O novo neoliberalismo de Aécio Neves
Escrevi este artigo sobre Aécio Neves em maio, ainda no
começo da campanha eleitoral. Ele está mais atual que nunca, por isso faço
questão de postá-lo novamente. Quero abrir mais um debate e ser mais profícuo
na escrita neste segundo turno:
O novo neoliberalismo de Aécio Neves
Jaldes Meneses
Há
muita confusão relativa ao verdadeiro sentido da expressão neoliberalismo.
Originalmente, sem dúvida, a expressão remete à agregação de intelectuais –
principalmente Hayek e Von Mises, os economistas do grupo – que se reunia, no
período depois da segunda guerra, nos seminários da Sociedade de Mont Pèlerin, na mesma região montanhosa e gelada dos Alpes Suiços cenário do mais
célebre romance de Thomas Mann – A
Montanha Mágica –, e próximo aonde se realizam os encontros anuais de
Davos, que reúne a nata dos gestores do capitalismo mundial.
O programa da Think Tank de Mont Pèlerin, a partir dos valores de defesa de uma sociedade aberta
de mercado, sem arrodeios era muito claro: a crítica a qualquer intervenção
ativa do Estado na economia, especialmente as experiências inovadoras em curso
na Europa ocidental, que montaram as politicas sociais universalistas de
previdência e funcionaram quase em ritmo de pleno emprego.
Embora a origem da
expressão neoliberalismo esteja consignada em Mont Pèlerin, ela passou por
várias mutações ao longo do tempo, sendo, portanto, uma operação inútil
simplesmente decalcar da dogmática original uma tipologia e aplicá-la a
circunstâncias históricas diferenciadas. O neoliberalismo mais se assemelha a
um arco-íris do que a um gato pardo.
Cito duas mutações do neoliberalismo,
especialmente importantes para nós do Brasil e da América Latina. A primeira
delas localiza-se em 1978-1982, a partir das políticas macroeconômicas do
governo Reagan, conduzidas por Paul Volcker no Banco Central americano, que
subiram unilateralmente as taxas de juros nos mercados internacionais,
quebrando países como o Brasil, México e Peru, incapazes de pagar as
respectivas dívidas externas. Resultado brasileiro: foi-se embora sem deixar
saudades a ditadura militar; entretanto, o regime substitutivo, a chamada “nova
república”, longe de acertar o prumo do desenvolvimento, amargou inflação,
saques, desemprego – os avatares da “década perdida”.
O problema dos resultados das políticas de Reagan-Volcker é que eles
vieram goela abaixo como se amarga um purgante. As missões do FMI vinham
vasculhar as contas dos países periféricas à maneira de uma tropa de ocupação.
Nos termos de Gramsci, foram mais políticas de domínio que de hegemonia.
Diferentemente, mais hegemonia que domínio, foram as politicas de “ajuste
estrutural” (reparem: até esta expressão foi clonada do vocabulário antipoda do
desenvolvimentismo cepalisno) dos anos 90, cuja síntese perfeita foi o nosso
Plano Real (1994). O Plano Real foi bolado por nossos melhores economistas da
universidade e do mercado financeiro (Pérsio Árida, Edmar Bacha, André Lara
Resende, etc.), a partir de um diagnóstico do caráter inercial da inflação
brasileira e da possibilidade e atrelar a nossa moeda a uma âncora cambial de paridade
ao dólar, mas conduzido pela batuta de um acadêmico que se tornou
político, Fernando Henrique Cardoso.
Menos aplicação forçada de um
purgante amargo, o Plano Real combinava economia (evidentemente neoclássica e
ortodoxa, privatizações, ajuste fiscal, metas de inflação, superávit
primário) e política (reforma do Estado,
políticas de transferência de renda, combate à fome, cotas sociais, incentivo à
parceria com ONGs), buscava consensos e parceiras na sociedade civil. Quem
melhor resumiu o ideário desta mutação do neoliberalismo foi o economista John
Williamson, na palestra na qual foi consagrado o “Consenso de Washington”, em
1993.
Desde a crise econômica de 2008, a segunda mutação do neoliberalismo
esgotou-se internacionalmente. Os primeiros sinais Os primeiros sinais já se manifestaram em 2001,
durante a grave crise argentina de paridade cambial peso-dólar, acarretando a queda do governo Fernando De La
Rúa e o retorno dos peronistas ao poder. Iniciou-se, então, uma grande
transição de modelo que acarretou a vitória eleitoral de candidatos ligados a
partidos de esquerda em quase toda a América Latina (exceção da Colômbia).
No Brasil, o processo de transição teve ritmo próprio. Embora Lula tenha
sido eleito em 2002 com um programa antineoliberal, somente no segundo governo
– visando conter os efeitos disruptores da crise de 2008 –, o PT cedeu ao
charme das políticas anticíclicas neokeynesianas. O problema é que as políticas
anticíclicas do kenesianismo conseguem prolongar o ciclo capitalista de
crescimento, mas jamais, apenas
através de mecanismos estritamente econômicos, instaurar um novo ciclo virtuoso. Revela-se, assim, o dilema do governo
de Dilma e a motivação estrutural dos acontecimentos de junho do ano passado.
Abriu-se, portanto, um novo período histórico, e com ele a possibilidade
de uma nova mutação, um novo neoliberalismo. Este é precisamente o significado
da candidatura de Aécio Neves, no qual labora o conteúdo secreto – marketing de
televisão é outra conversa – de sua equipe de trabalho, composta de Samuel
Pessôa, Elena Landau, Xico Graziano, Armínio Fraga, etc.
Nas melhores tradições dos technopols (técnicos com a dimensão política dos problemas
econômicos) da época do “Consenso de Washington” –
economistas que sabem manejar a teoria econômica ortodoxa, mas também a análise
política das correlações de forças –, os lua-pretas de Aécio partem da premissa
que é politicamente inviável implementar no Brasil uma reforma do Estado com o
grau de radicalidade do ideário neoliberal clássico.
O novo neoliberalismo em formação atua sobre o fio da navalha, uma
base estreita de constrições. Por isso, caso chegue com Aécio Neves à
presidência da república, o neoliberalismo, de imediato, deverá adotar uma
estratégia gradualista. Há de se aceitar formalmente, embora a contragosto, as
escolhas sociais adotadas pela Constituição de 1988, mas, ao mesmo tempo,
implementar medidas microeconômicas de reorganização da empresa capitalista
brasileira e reduzir até onde for possível mecanismos lulistas de indexação de
salários – principalmente o salário mínimo. Trata-se, enfim, de uma tentativa
de aumentar a lucratividade das empresas antes mesmo de programar um choque na
produtividade do trabalho, que certamente só virá após uma árdua batalha em
torno, mais uma vez, dos direitos sociais.
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