Todos sabem

Jaldes Meneses
email: jaldesm@uol.com.br

Nos tempos da construção de Brasília e da bossa nova havia um ditado popular que dizia assim: ou o Brasil acabava com a saúva e a corrupção ou a corrupção e a saúva acabavam com o Brasil. A saúva desapareceu e a corrupção cresceu na escala dos milhões para os bilhões.

Antes de tudo, é preciso separar o joio do trigo. Saber que são pelo menos duas as corrupções existentes brasileiras - a antiga e a nova. 

A antiga corrupção patrimonialista começou no pedido de emprego que Caminha encomendou ao Rei D. Manuel de Portugal ao comunicar a descoberta da Ilha de Vera Cruz. Passou incólume pela sociabilidade de “favores” da Corte imperial. Percorreu sem-vergonha a República Velha, a Era Vargas, a Ditadura, a Nova República, o tucanato e o lulismo. E resiste, senil, nas estruturas municipalistas vigentes, que mercadejam as prestações federais do FPM até o pequeno tráfico de influências.

No entanto, existe também a nova corrupção, capitalista, moderna e pós-moderna. Os eternos ingênuos - sabe-se lá de onde retiram tanta credulidade - cingem a questão da corrupção ao atraso. Conquanto o atraso seja diferente da modernidade, os dois convivem muito bem, configurando - para falar como um sociólogo pedante - a estrutura compósita da corrupção à brasileira. 

O homem comum acredita como dogma que os setores produtivos da moderna economia brasileira são imunes ao vírus da corrupção. Ao contrário, o grande capital corporativo privado ou estatal sempre desconheceu fronteiras rígidas entre o legal e o ilegal. Nem só o DNA do coronelismo nordestino contém os germens da corrupção. Podem me informar quais são os clientes vips dos paraísos fiscais das ilhas parasidíacas do Caribe?

Além das trombetas altissonantes do escândalo da Petrobras, recentemente uma discreta notícia passou despercebida no noticiário político. Publicou-se no jornal Folha de S. Paulo de 05/11/204, em trabalho de jornalismo investigativo de Fernando Rodrigues, o seguinte: através de mecanismos truncados de elisão fiscal - ao menos para o eleitor comum, o Bart Simpson brasileiro - Bradesco e Itaú, os dois maiores bancos nacionais, “economizaram” 200 milhões e repatriaram esse dinheiro para Luxemburgo em 2008 e 2009. Talvez por mérito, desconheço, o jornalista tenha sido despedido do jornal em seguida.

São muitos ardis do noticiário econômico. O maior de eles fazer Bart Simpson acreditar que no Estado moderno administra-se a economia da mesma maneira que a "dona de casa” as finanças domésticas. As complexas triangulações do Bradesco e Itaú são inexplicáveis em termos de economia doméstica. Ademais, confesso não ter visto nem Miriam Leitão ou Carlos Alberto Sardenberg no ar, de cenho compungido, demonstrando em gráfico quantas casas populares poderiam ser construídas com esse dinheiro. A reportagem explica que tais artifícios não são ilegais. Mas Bertold Brecht já perguntava em poema: qual é mesmo a diferença entre fundar um banco e roubar um banco?

Na crise do mensalão, o governador Tarso Genro (RS), afirmou que a corrupção brasileira, a nova e a velha, é estrutural. Pensar a pensar a corrupção brasileira como um mecanismo estrutural está longe de justificá-la. Embora os mecanismos da corrupção sejam de estrutura, elas precisam das mãos inescrupulosas de um sujeito de carne e osso. Não há estruturas sem sujeito; no linguajar sujo da pequena política, só pode haver roubo se houver “operadores”. Toda vez que age, o capitalismo, no ato de bater a carteira, requisita sempre a mão peluda de um lobo. 

Uma canção de Jorge Mautner e Gilberto Gil - "Outros viram” - vislumbrou que gênios de outras culturas como os poetas Maiakovski e Whalt Withman viram antes de nós que "a humanidade vem renascer no Brasil”. Na relação entre corrupção e política no capitalismo sucede algo parecido, nem que seja pelo avesso: todos sabem - alguém duvida que todos sabem? -, mas ao príncipe é reservado o direto sagrado de nada saber.

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