Dilma: O tempo passou na janela
Eu bem que mostrei a ela/ o tempo passou na janela/ só Carolina não viu
Chico Buarque, Carolina
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Uma das situações mais escarnecedoras da política é o daquele militante que sente a terra fugir aos pés e por isso só lhe restam os argumentos gerais de uma ideologia e a fantasia de um passado idílico em defesa de seus argumentos. Resolvi escrever este artigo pensando no diálogo com esse tipo de militante, certamente no espírito machadiano da galhofa e da melancolia, contudo admirado por que sei que esses são os melhores. Gostaria de ter um exército de milhões de militantes assim, da mesma maneira que entregaria aos quintos dos infernos os cínicos, os que mudam de ideia com a velocidade de um post no twitter. Esses não constroem uma causa.
A boa militância (estou fazendo um elogio) exige a fidelidade de uma religião. Mas é preciso tomar cuidado em não exagerar. Um projeto político não pode viver apenas do apelo à causa. Há também de apresentar resultados e não cometer erros rotundos de estratégia.
O PT completou 35 anos no dia 10 de fevereiro numa simbiose virtuosa de causa e resultado. Neste intervalo de tempo, embora seu programa tenha sido sempre fluido - o que facilita as viradas pragmáticas -, sempre animou a militância as promessas um projeto de reformas sociais no Brasil. Acaso cedesse em algum ponto no programa econômico - a "Carta aos Brasileiros” (na verdade, dirigida aos credores do Estado) da campanha de Lula em 2002, por exemplo -, seria com o objetivo de avançar em políticas sociais -, estilo retirar milhões de patrícios da linha de pobreza.
Neste sentido, a era Lula/Dilma trabalhou uma receita na linha da menor resistência. Produziu por 12 anos um resultado que agradou os ricos nos ganhos de capital, mas também permitiu um processo de afluência social dos pobres, na melhoria de acesso a bens de consumo. O cientista político André Singer, no livro “Os sentidos do lulismo”, chamou a esse processo de “reformismo fraco”. Eu chamaria de afluência social, que sem dúvida houve, contudo desprovido de reformas sociais.
Ora, perguntará o advogado do diabo, haverá mesmo necessidade de reformas sociais no Brasil, se puderam, Lula e Dilma, criar uma situação - incluindo uma aliança política - em que, bem ou mal, todos ganhavam? O problema de tal situação é que ela é de equilíbrio provisório, um ponto na curva que logo passa. Devo dizer com todas as letras: passou o tempo - e as manifestações de junho de 2013 foram o prenúncio que esse tempo estava acabando - da aliança policlassista e multipolítica do lulismo, a engenharia de união de quase todo o carcomido sistema político brasileiro, remunerando o capital dos ricos e doando a feira aos pobres. Manter a mesma política funciona somente como fuga.
Doravante, há que quebrar os ovos para fazer a omelete. Antes, a omelete pode ser cozinhada enquanto os preços internacionais das commodities financiavam o crescimento brasileiro. Agora, a bonança passou…
O governo Dilma, ao repetir com Joaquim Levy, essencialmente, a mesma estratégia de ajuste fiscal de Lula em 2003, com Antonio Palocci, cometeu um erro rotundo na estratégia, pois os tempos são outros. O raciocínio governista é acaciano: aperta-se o cinto por dois anos, garantem-se os direitos sociais e se abre as torneiras.
Em primeiro lugar, para abrir as torneiras, visando eleger o candidato de 2018, é preciso haver novamente, na esteira da organização das contas públicas, um ciclo internacional virtuoso que ninguém garante. Medidas macroeconômicas sem microeconomia e ajuda do comércio internacional pouco resolve. Depois - e este argumento tem sido pouco lembrado no debate -, este é o terceiro ajuste fiscal a que o Brasil se submete desde 1999 (governo FHC), nos três casos em torno do famoso tripé macroeconômico (metas de inflação, câmbio flutuante e superávit primário). A questão é que FHC enfrentou o desgaste do segundo mandato e entregou o poder a Lula (que teve a ventura de coincidir governo e boom das commodities e adotar medidas de ampliação do consumo de massas). Enquanto Dilma, como se lê no seu discurso aos ministros na reunião de 27 de janeiro (única justificativa pública do ajuste fiscal da presidente), teve de dilapidar reservas para proteger o mercado popular de massas (a afluência social) diante da iminência das crises internacional e energética.
Nos tempos de FCH e Lula havia possibilidade de fuga para frente. Embora proponham reformas diferentes, tanto a esquerda como a direita que pensam percebem que se chegou a um limite. Por isso, o processo político está se radicalizando rapidamente. Será Dilma a Carolina da canção de Chico Buarque? - O tempo passou na janela… só Carolina não viu…
Comentários
Gostei da reflexão!