A crise de Dilma é a crise do Lulismo



Jaldes Meneses
email: jaldesm@uol.com.br

No auge da crise do mensalão, em 2005, fiz uma entrevista com Chico de Oliveira (vice-presidente da SUDENE na histórica gestão de Celso Furtado e um dos mais importantes intelectuais brasileiros vivos; para mim, uma máquina de pensamento criativo e antidogmático), na qual, em determinado trecho, ele fazia questão de diferenciar conceitualmente PT (ou petismo) de uma palavra nova que surgia no vocabulário político - o lulismo. Embora seja fenômenos contíguos, especialmente pelo motivo evidente de o lulismo ter sido parido no ventre petismo, não teria surgido o lulismo como fenômeno político novo sem a experiência de governo do Estado Brasileiro inaugurada com a primeira vitória eleitoral do PT, derrotando o PSDB na campanha de 2002.

Para haver lulismo, precisa haver Estado. De alguma maneira, o lulismo se plasmou reciclando materiais adormecidos, inertes, mas não mortos, da formação social brasileira, adaptando experiências da chamada “Era Vargas”, que Fernando Henrique, num átimo de devaneio falhado, declarou “morta” em discurso ao senado pouco antes de tomar posse na presidência. Fernando Henrique se mostrou um profeta cego. 

No ato de criação do lulismo, de maneira genial e intuitiva, Lula, fez uma interpelação direta aos pobres e remediados, através dos programas de transferência de renda, principalmente o Bolsa-Família, e de outros programas sociais como o “Minha Casa, Minha Vida”, FIES, PROUNI, REUNI, etc. Essa interpelação aos pobres se insinuou no começo do período tucano, através do Plano Real e do fim do “imposto inflacionário”. No entanto, a interpelação tucana não saiu do que brinco em sala de aula chamando, numa analogia psicanalítica, de “fase oral” (o fetiche da moeda). Era preciso passar a novas fases de desenvolvimento, inconcebíveis no tipo de pensamento cosmopolita e pouco criativo dos tucanos.

Pois bem, os programas sociais do lulismo continham mecanismos de produção de um processo de afluência social (os programas sociais) que permitiram a passagem da fase oral às subsequentes fase anal e fálica. Contudo, a arquitetura do lulismo começou a corroer e enferrujar quando chegou o período de latência, já no governo Dilma.

Nos termos do diagnóstico de André Singer contidos no livro “Os sentidos do lulismo” - uma obra indispensável para o estudo do Brasil de hoje -, os dois governos Lula se caracterizaram pela combinação de “reformismo fraco” (os programas sociais, as políticas elevação real do salário mínimo e as infusões do crédito ao consumidor) e “pacto conservador” (a ampla aliança fisiológica peemedebista), com Lula gravitando entre as contradições à maneira de um chefe bonapartista. 

Já estudei bastante esse assunto, lendo toda a bibliografia a respeito, e penso que melhor que “reformismo fraco” (Singer), seria mais correto caracterizar o período do lulismo (aí incluindo o primeiro governo Dilma) como de “reformismo sem reformas”. Mesmo assim, um “reformismo sem reformas” de tipo especial, daqueles inusitados, que produzem processos de afluência social. Somente para ilustrar, esse processo de reformismo sem reformas e afluência social corresponderia, na teoria psicanalítica, as fase anal e fálica. Mas, como resolver os conflitos da latência? Seria este o papel dos governos Dilma, no qual, já desde o primeiro mandato, ela vem fracassando rotundamente, menos por méritos pessoais e mais por dificuldades objetivas. 

O fio da meada se quisermos entender o fracasso que se avizinha do lulismo, através da crise sem remédio do governo Dilma, deve ser acompanhado na confluência de dois temas estruturantes, que desenvolverei em outro momento: 1) O lulismo produziu um tipo de adesão popular passiva, desprovido de cultura e organização autônomas; 2) os sonhos mais audaciosos da narrativa do lulismo residiam no projeto “neodesenvolvimentista”, ou seja, nas tentativas de reconstrução de um capitalismo de Estado no Brasil, baseado nos fundos de pensões do trabalhadores estatais e em novos empreendedores subsidiados pelos bancos estatais de fomento, a exemplo de Eike Batista e dos irmãos Friboi. Os fracassos do Eike e os êxitos dos irmãos Batista, simultaneamente, podem ser vistas como duas das narrativas sínteses (há muitas outras que comporiam um belo romance histórico) dos tempos do lulismo. Aos parvos que trocem o nariz só posso, parafraseando Marx, citar uma passagem de Horácio - De te fabula narratur! 


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