O galinheiro às raposa


Jaldes Meneses 

Haverá em curto prazo - Keynes já dizia que em longo prazo estaremos todos mortos - a possibilidade de um golpe de Estado no Brasil? A cada momento de instabilidade e crise – e exemplo da crise do segundo governo Dilma – a pergunta reaparece, como a relembrar de que onde há fumaça há fogo

A pergunta tem cabimento por que a história republicana brasileira no século XX foi pródiga em golpes. A chamada “revolução” de 1930, por exemplo, se analisada a frio, foi uma conspiração vitoriosa, derrubando um governo eleito e outro prestes a tomar posse, embora carcomido, reprodutor de todas as mazelas do sistema político oligárquico da República Velha. Depois, os militares passaram o restante do século conspirando, numa sequência formidável de golpes no qual os principais foram o do Estado Novo (1937), até o ainda não cicatrizado 1964.

A influência política dos militares na vida brasileira só se reduziu após o processo político que se abriu depois da constituição de 1988. Somente depois de 1988. Aqui, vale à pena observar que embora o regime militar tenha acabado em 1985, com a eleição de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, morto Tancredo, a posse de Sarney se deu por uma solução de compromisso com o General Leônidas Pires Gonçalves, ministro nomeado da Guerra do novo governo. Dessa maneira, a chamada “Nova República” (governo Sarney) somente foi permitida nascer sob a supervisão do poder moderador informal dos militares. Quem acompanhou a conjuntura no período do governo Sarney e da Assembléia Constituinte (1985-1989), de crise econômica e renovação democrática da sociedade civil, sabe muito bem a sombra discreta dos militares acompanhou a política em todo o período. Após a edição da constituição, a sombra, como por um passe de mágica, parece ter desaparecido. 

Por isso, a letra da atual constituição demonstra que ela não deixou de ser uma solução de compromisso entre civis e militares, reflexo da conjuntura indecisa da Nova República: nela, cabe às forças armadas, e não ao presidente da república, “... a defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem” (Artigo 142 da Constituição Federal). Perceba-se que nossas forças armadas têm por incumbência garantir os “poderes constitucionais” e não “os poderes constituídos”, reafirmando o resíduo pretoriano do qual a democracia brasileira padece até hoje. Se houver algum golpe no futuro, portanto, sempre se pode argüir a justificativa da constituição vigente. 

Sou otimista. Para mim, os artigos reservados ao papel das forças armadas na constituição brasileira foram mais a cristalização da relação de forças anterior do que das novas relações de futuro (já pretérito) que se abriu depois de 1988. O principal índice da nova realidade, à qual a letra da constituição já não de adapta foi a criação, depois de marchas e contramarchas, do Ministério da Defesa, em 1999. De fato, os militares brasileiros – afora manifestações esporádicas – se recolheram aos quartéis. Até quando ficarão lá, se para sempre, nunca se sabe. 

Por tudo isso, a genealogia do golpe no Brasil parece ter migrado do aparelho militar para o aparelho político e o aparelho judiciário. Os militares estão silenciosos e a figura do político “vivandeira de quartel" parece ter se recolhido aos anais da história republicana do século XX. Contudo, continua-se a flertar no meio político com formas dissimuladas de golpe, embora, neste caso, de feições jurídicas e parlamentares. Aberto ou dissimulado, o importante a reter e conceituar é que essas formas "criativas" vindas da feitiçaria duvidosa dos jurisconsultos rompem com os resultados eleitorais e a continuidade institucional.

O exemplo mais recente de movimentação de indisfarçável intuito golpista foi a encomenda extemporânea de um parecer ao jurista Ives Granda Martins - da parte um advogado “amigo" do ex-presidente FHC, de nome José de Oliveira Costa -, sobre as possibilidades de começar um processo "impeachment” da presidente Dilma. Na minha leitura, o parecer de Granda é casuístico, entre outros motivos por extrapolar a responsabilidade ao agente público da ação direta de dolo à subjetividade da “negligência”. Agir à maneira do trio Oliveira-Granda-FHC significa reles oportunismo político golpista, além de pretender pescar em águas turvas.

Quem fala em golpe sem antever o regime e as forças sociais que lha dará durabilidade não passa de um cabeça de vento. Ato eminentemente político, em vez de simplesmente jurídico, impeachment impõe também saber como será o dia seguinte, ou seja, a edificação do novo governo. Quem pretende derrubar a presidente Dilma quer entregar o poder ao PMDB, nas figuras da linha sucessória do Estado brasileiro, em sequência, Michel Temer, Eduardo Cunha e Renan Calheiros. Em pose de moralista do pau oco, as figuras amarelas de cera do tucanato e consortes, se houver oportunidade, pretendem entregar o galinheiro até as eleições de 2018 às raposas mais carcomidas do sistema político brasileiro… Desse caldo só pode sair podridão. 


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