Os pobres põem o Dilma governo nas cordas
Jaldes Meneses
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Não sou daqueles que costumam brigar com pesquisas nem muito menos com a realidade. Os novos números da detalhada pesquisa CNI-IBOPE, que não diferem no essencial dos números do DataFolha, publicados nesta quarta-feira (01/03/15), expõem a terrível situação de um governo federal cujo capital de popularidade desapareceu em velocidade estonteante do dia da vitória (26/10/14) até hoje. (Um parêntese de reflexão lateral que não calo: em tempos de “ajuste fiscal”, o dinheiro da contribuição patronal e dos trabalhadores, fonte de financiamento das Confederações, é gasto no ralo de “contratação” de pesquisas de nítido conteúdo especulativo, tanto político como financeiro, no último caso visando interferir no movimento de cotação em bolsas. Desvio-me do assunto. Fecha parêntesis).
Como explicar que em rápidos cinco meses as avaliações de ótimo e bom retrocedam de 40% em dezembro para míseros 12% em março e a curva de ruim e péssimo subam de 27 a 64%? Em comparação, já são números piores que os de Sarney depois do Cruzado II, Collor nas cercanias do impeachment e FHC no período duro da desvalorização cambial de fevereiro de 1999. São números de um governo acuado nas cordas do ringue. Cuidado para não chegar a um estágio de bancarrota.
Importa observar que nenhum segmento social - inclusive os mais pobres (até três salários mínimos) - mantém o apoio ao governo Dilma, mais terrível, em dados negativos que extrapolam o desempenho de governo e são extensivos aos de confiança na imagem pessoal. Falou-se muito durante esses dias em classes médias e em manifestações de ruas. Porém, o desembarque ainda silencioso dos pobres do apoio ao governo trata-se de um fenômeno até mais importante, pois, desde as eleições de 2006, a mística produzida em redor dos programais sociais, que nada tinha de falso - tais programas realmente produziram um processo de afluência social -, mantinham esse segmento como uma fortaleza inexpugnável do governismo.
Pois bem, o dique de fortaleza estratégica dos pobres foi rompido, e com ele o núcleo de causalidade das teorias influentes do sociólogo André Singer no livro “Os sentidos do lulismo”. Qual seja, a tese, correta até 26 de outubro do ano passado - ou ao menos aristotelicamente verossimilhante -, que o "realinhamento eleitoral” dos pobres, principalmente do nordeste, produziu o fenômeno novo do lulismo como um populismo de capacidade de interpelação popular, de certa maneira reavivando e modificando para o Brasil atual elementos da “Era Vargas.” Se está longe de ser um sonho numa noite de verão, no entanto parece que o lulismo será mais curto que o varguismo.
Os números recém produzidos, embora não sejam publicados estratificados por faixa de renda, sem dúvida permitem a dedução que o desgaste do governo respingou sem apelo entre o mais pobres, desbotando o alcance hegemônico da interpelação lulista (a luz de Dilma é refletida): 55% dos eleitores nordestinos avaliam o desempenho governo como ruim/péssimo e, pela primeira vez, a maioria dos eleitores (64%) desaprovam as políticas sociais de combate à fome e à pobreza. Atribuo a má avaliação conjuntural das políticas de combate à pobreza menos pelo conteúdo do que pelo cansaço do argumento repetido à enésima vez (me refiro diretamente, neste caso, ao conteúdo da nota dos presidentes regionais do PT com Lula nesta segunda-feira, 30/03), de que essas políticas permitiram “a saída de 36 milhões de brasileiros da faixa de pobreza.” Inútil pregação, se o objetivo é manter a fidelidade de uma faixa da sociedade de ethos totalmente diferente do militante petista típico.
Existe uma discrepância de estratificação social entre o grosso do eleitorado de Dilma em 2014 e a base social organizada no PT e partidos de esquerda consortes. Basta bater o olho na pesquisa DataFolha de 14/03, sobre a composição social das manifestações do dia 13 de março (organizada pela CUT e MST), para saber que os manifestantes eram em maioria de classe média, estudantes e assalariados categorias profissionais organizadas, por incrível que pareça aos desavisados nem tão diferentes socialmente dos manifestantes do dia 15, embora entre estes contasse em percentual maior a presença de empreendedores privados e de classe média alta (mais de 10 salários mínimos). Mais além das diferenças ideológicas, em termos frios de estrutura de renda, é como se os milhares (dia 13) e os milhões (dia 15) das ruas, no fundo, estivessem circulando no núcleo duro da mesma faixa. Definitivamente, os pobres circularam nas ruas mais como franjas, no momento estão mais preocupados com os efeitos deletérios da recessão econômica, que devem fazer retroagir os ganhos de renda dos anos recentes, que em pregações de autolouvor.
Todos os dados eleitorais disponíveis de 2006 para cá, coonestavam a tese de que a migração do voto conservador popular dos pobres - que desejam ascensão social em clima de paz social e econômica, isso é fundamental - nos partidos de direita e no PSDB, mantidos nas eleições de Collor (1989) e de FHC (1994/98), foram transferidos para Lula (e em menor grau para o PT) nas eleições de 2006 e manteve-se até 2014. Desde 2006, os pobres expressaram menos um sentimento petista e fizeram mais uma aposta na ampla coligação de partidos e interesses envolvidos nas malhas redistributivas do lulismo. A aposta nunca foi incondicional, até por que, em que pese iniciativas esporádicas, o PT jamais conseguiu organizar os pobres na política e muito menos na cultura. Parece que os efeitos da crise econômica, da mesma maneira que a corrupção desde o mensalão (potencializado em grau com o petrolão) afastou a classe média desde 2006, começam a dissipar a fortaleza da base do lulismo entre os pobres.
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