Lula não será Vargas


Jaldes Meneses

Os espelhos do Palácio do Planalto como do Catete sabiam de certeza absoluta que desde o dia que Lula passou a faixa do poder presidencial à sua criação, Dilma Rousseff, em janeiro de 2011, como Getúlio foi forçado a apear do poder autocrático do Estado Novo pelos ministros militares e do supremo, em outubro/novembro de 1945, num desses golpes “democráticos" brasileiros de que nossa história é repleta, que tanto o barbudo como o baixinho abrigavam na cabeça uma ideia fixa: retomar a faixa presidencial, se possível nos braços do povo. Getúlio, sabe-se, retornou nos braços do povo, mas de lá saiu para o cemitério. Lula, se a saúde permitir, busca por todos os meios criar as condições e o ambiente de candidatar-se e vencer em 2018. Não é fácil.

Muitas são as dificuldades de Lula. Embora Getúlio tenha indicado aos correligionários o voto no General Dutra (nota histórica: exatamente um de seus algozes no golpe “democrático”) nas eleições de afogadilho de dezembro de 45, a aliança de ocasião desencaminhou, e com ela o governo impopular (à época, os jornais comunistas chamavam de “entreguista") do medíocre personagem desencarrilhou. Por consequência, nas eleições de 1950, até por gravidade, a criação do mito do “retorno” do velhinho transformou-se no avesso de Dutra - uma espécie de Dilma estrelada, da mesma maneira que Dilma é um general de saias -, e Getúlio encarnou, em que pese a oposição radical da UDN do insosso Brigadeiro, os sentimentos de oposição e mudança.

Pelo contrário, em 2018 não há como Lula deixar de carregar o andor da pesada herança do segundo governo Dilma. Ontem, começou-se a votar o Pacote Fiscal no Congresso, algumas almas crédulas imaginam que, passado o aperto das vacas magras de 2015 e 2016, a economia reagirá positivamente em 2017, dessa maneira criando as condições de reversão da conjuntura política. Não sei de onde tiram tanto otimismo. Uma análise fria dos resultados do Pacote Fiscal de Joaquim Levy permite divisar que, no máximo, se tudo der certo, a mercadoria que será entregue em 2017 será uma penosa recuperação cíclica da economia, no máximo um vôo de galinha. Fala-se muito que o Bolsa-Família deixou de conceber a famosa “porta de saída” dos pobres beneficiários. Melhor seria aplicar, por analogia, a imagem aos planos de tesoura de Levy, que mais parecem um labirinto onde se entra e não se sabe como se sai. Não descarto a hipótese de, à maneira de Godot, simplesmente o crescimento econômico faltar em 2017, pois, até hoje, não foram apresentados ao distinto público, nos planos de Levy, os instrumentos de produzir uma alavancagem (desculpem-me a palavra horrorosa) de crescimento econômico. Getúlio estava longe da sombra desses dilemas econômicos. Enquanto a Dilma estrelada daqueles tempos dilapidava as reservas acumuladas na guerra com consumo perdulário, além de conspirar para cassar o registro do Partido Comunista, o velhinho, à margem dos desgastes, se ocupava de construir o PTB e da (difícil) costura política com Adhemar de Barros.

As nuvens pesadas da economia elevam à potência máxima as dificuldades políticas do lulismo. Desde o primeiro dia do segundo mandato da Dutra de saias, ciente do fim do ciclo econômico que já estava claro nas eleições de 2014 (somente os crédulos acreditaram que vaca não tossiria), portanto de mergulho do governo num ciclo de crise, Lula se mexe freneticamente, em vários movimentos. Observo que esses movimentos não são retilíneos, mas contraditórios. Os problemas desses movimentos, é que, de tão contraditórios, em vez de produzir a síntese dialética podem acabar em soma zero.

Antes mesmo da posse de Dilma, de olho no crescimento da campanha de “voto crítico” no segundo turno, ciente da hipótese certa do fim da aliança com o PMDB e do desgaste do PT (já evidente em junho de 2013), Lula discretamente estimulou movimentos sociais como o MST e o MTST e parlamentares do PSOL a iniciar entendimentos visando compor um novo bloco popular. A aposta era inteligente. Caso o bloco popular crescesse, seria por ele e a partir de um programa repaginado que sairiam as novidades da campanha do terceiro mandato. Haveria muito a dizer das peripécias malogradas de montagem desse bloco. Contudo, por questão de espaço arremato que o último suspiro da possibilidade do lulismo compor com novas forças populares aconteceu nesta quarta-feira, quando simbolicamente o PT resolveu atravessar, mais uma vez, o Rubicão e "fechar questão" no apoio às MPs 664/5, entregando, em definitivo, o futuro às receitas amargas de Joaquim Levy.

Existem controvérsias teóricas (prometo outro artigo a respeito), mas o êxito do lulismo, enquanto durou, consistiu numa espécie de arbitragem bonapartista (ou seja, pelo alto e partir do Estado) dos interesses do capital e do trabalho. Nos bons tempos, quando se olhava a composição dos ministérios, além do apoio de praticamente todas as organizações relevantes de trabalhadores e empresários, parecia que a “Era Vargas” ressurgiu. A tese foi verdadeira por poucos anos, enquanto aconteceu um tipo de crescimento econômico que em maior ou menor grau beneficiava a todos. Quando sobreveio a crise e as políticas anticíclicas se exauriram, o pacto se desfaz, e o capital, mais uma vez, se encaminhou para os remédios “clássicos”, anteviu na desregulamentação do trabalho a possibilidade de saída da crise. 

Lula não será Vargas, menos pelas aparências da interpelação policlassista e da arquitetura corporativa de ambos os pactos políticos, mas porque a nave Brasil em 2018 se parece menos com 1950 e mais com 1984. Nos anos 80, o Estado Desenvolvimentista que vinha de 1930 quebrou, e as novidades das respostas (à época) classistas e republicanas do PT e da CUT apareceram como um raio em céu azul. No apogeu do fascismo, Gramsci afirmou que a Itália não precisava de um líder carismático, mas de um “Maquiavel coletivo”. Desculpem-me a obscuridade, mas o Brasil precisa de uma vontade coletiva nova, um “Ruy Barbosa coletivo” misturado com um “Lula coletivo 1980”. Não se quer repetir o passado, mas produzir novas sínteses. 


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