A economia política das commodities (Raúl Prebisch, você venceu!)


Jaldes Meneses

Existem duas maneiras complementares de estudar economia política. 

Na primeira embocadura, mais clássica, numa tradição que vai de Adam Smith à crítica de Marx, a economia política, como Engels a define em “AntiDüring”, seria “a ciência das leis que regem a produção e o intercâmbio dos meios materiais da vida na sociedade humana. 

Em outro diapasão, e economia política também deve ser considerada, em enfoque mais delimitado, à maneira dos autores contemporâneos, como Robert Gilpin em “A economia política das relações internacionais” como um campo de estudos das relações institucionais entre “Estado” e “Mercado” em plano mundial, cujos resultados históricos são uma específica inserção econômica internacional entre centro e periferia acompanhados de uma estratégia política, militar e diplomática, bem como de uma política macroeconômica. 

A segunda vertente, propositadamente eclética, combina aportes teóricos dispares como Marx, Weber e Fernand Braudel, busca compreender a economia capitalista, desde o século XVI, como um “sistema-mundo” de conteúdo conflituoso da relação entre ações de Estados nacionais e interesses de mercado nos países capitalistas. De minha parte, não vejo motivo para excluir uma abordagem em benefício de outra, pois se considerarmos a economia política como uma totalidade dinâmica de longa duração, ela deve, nos termos de Gramsci, começar pela fábrica e o mundo do trabalho. Contudo, pensar somente a produção estrito senso, embora necessário começo da jornada resulta heuristicamente insuficiente. Mais além da fábrica, existe o mundo do poder das moedas e da força dos exércitos.

Quando se insere a atual crise na perspectiva histórica da economia política de nossa inserção internacional de longo prazo, logo se percebe a gravidade do momento. Mais além de a nossa crise ser simplesmente do governo Dilma, do lulismo ou do PT, estamos no limiar de uma das mais graves crises da história econômica do Brasil: trata-se da exaustão do modelo da economia políticas das commodities, ou seja, do próprio conteúdo vigente de inserção do Brasil no comércio mundial, cujos resultados, agora revelados, foram a desisdutrialização, o estímulo da demanda interna e uma nova economia agroexportadora de commodities minerais e agrícolas. Este modelo funcionou e distribuiu afluência desde a edição do Plano Real, em 1993, no governo Itamar Franco, continuou com FHC, Lula e Dilma, mas começou irremediavelmente a correr água em 2012, a partir do marco da queda drástica do preço das commodities no mercado internacional. 

Crise nunca foi novidade no Brasil. Desde a edição do Plano Real passamos pelas agruras da crise mexicana, asiática, russa e argentina, ainda no governo FHC. Depois, em janeiro de 1999, o governo federal se viu obrigado a desvalorizar a moeda, artificialmente valorizada por longos oito anos. (Gustavo Franco, presidente do Banco Central à época, do alto de sua saudada “genialidade” - periodicamente aparecem gênios econômicos no Brasil - costumava comparar câmbio a preço de banana, lembram-se?)
O governo Lula assumiu em 2003 obrigado a se haver com inflação alta e reservas internacionais em baixa. Em 2008, novamente Lula enfrentou a mais grave crise internacional que se tem notícia nos países centrais, mas que naquele momento atingiu de raspão os países periféricos.

Nenhuma dessas pode ser considerada na galeria das duas mais graves crises brasileiras (1930 e 1982). Pelo simples motivo de, apesar dos problemas, todos complexos, tais crises não justapunham governo frágil e necessidade iminente de afrontar os clássicos dilemas estruturais da inserção internacional da economia brasileira. Podia-se ainda “fugir para frente” e recompor as alianças políticas. Permitia-se deixar a resolução dos dilemas estruturais para o futuro.

Agora, a crise não é apenas cíclica, mas estrutural.

Nossas crises estruturais mais graves se deram em 1930 (debacle do secular modelo agrário exportador neocolonial e exaustão da República Velha) e 1982 (alta dos juros da dívida externa e fim da ditadura). Vale relembrar que 1930 era uma crise do padrão ouro e 1982 exatamente uma crise dos efeitos do término do padrão ouro e da ascensão definitiva da economia política do dólar como moeda padrão autorreferente. 

Alguém pode perguntar: e a crise do golpe de 1964? O assunto é demorado, mas 1962-1964 foi mais crise interna que de inserção internacional. Naquela crise, vivíamos o primeiro ciclo interno de crise do capitalismo brasileiro, que vinha amadurecendo há muito tempo, mas só se completou com a montagem a indústria de bens de consumo duráveis - principalmente a automobilística - no governo de Juscelino Kubitschek. 

Nestes 2015, a crise é da maior gravidade. Trago ao debate a questão de que talvez se desenhe no horizonte uma crise terminal, para nunca mais voltar em muitos anos, dos ganhos de trocas do modelo de exportação das commodities, câmbio valorizado e expansão do crédito, que realizou por 10 anos os desejos de consumo e felicidade milhões de brasileiros, em Miami ou nas Casas Bahia. 


Raúl Prebisch, você venceu! Espero que não se vingue aprontando daí onde esteja (se estiver) uma deterioração dos termos de troca de alta tecnologia e inovação dos países centrais por commodities agrícolas dos países periféricos nos longos anos vindouros! 

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