Keynes e as crises


                                                                                                       Jaldes Meneses

        Provinciano que sou, estou muito, muito longe dos centros de decisão da economia capitalista mundial. Ainda mais sendo de esquerda - a esquerda não costuma entender de dinheiro nem de mercados financeiros, sei de experiência própria quando escuto verbalizado por muitos a recitação dos versículos de um tal de "mundo do capital" abstraído da totalidade concreta (concreta!) do modo de produção capitalista. No entanto, mesmo assim, na periferia do sistema, acertei o palpite de que o FED (Banco Central) americano não subiria os juros. Li comentaristas e mais comentaristas emitindo opiniões em contrário: para eles, os americanos são - esses sim - autênticos provincianos e não enxergam um palmo além do próprio nariz. Poderia ter sido assim até o dia em que o presidente Franklin Delano Roosevelt, de caso pensando anteriormente (Roosevelt jogou a isca e o pobre Japão ciscou)  reagiu militarmente ao ataque a Pearl Harbor, em dezembro de 1941. Com a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra estava decretado o fim do provincianismo e o definitivo cosmopolitismo dos agentes do Estado americano. A caricatura do fazendeiro branco do Texas é outra história.

          Os últimos dias se revelaram agitados, aqui e alhures. O pânico retornou aos mercados financeiros internacionais internacionais, externamente por conta da crise de reconversão da economia chinesa, mas de fato pela volatilidade desses mesmos mercados, produzidas nos anos 70/80 pelo fim do padrão-ouro e a conversão do dólar e dos títulos da dívida norte-americana moeda reserva e âncora da economia internacional.

         Muitos perguntam: aonde foram parar as instituições do Estado de Bem-Estar, na Europa e mesmo nos Estados Unidos, que já não fornecem o colchão indispensável ao controle da questão social? Quando mencionamos crise econômica e welfare state, logo a memória puxa o nome mágico e o emblema de Lord John Maynard Keynes, o genial economista britânico que sistematizou as políticas anticíclicas de contenção da crise, com base em políticas de gasto público, bem como ajudou na formulação de políticas sociais inclusivas da antiga classe operária fabril, soldando o que depois foi chamado nas ciências sociais de “acordo fordista”. Idílicos os tempos do projeto do capitalismo democrático (Keynes morrera em 1946, mas deixara o emblema): cessados os conflitos da segunda guerra mundial, a economia voltou a crescer em ritmo voador, auxiliado, no plano ideológico, pela formidável expansão da doutrina keynesiana em todos os recantos (inclusive no Brasil). De repente, expressões como multiplicador, demanda pública e aproveitamento da capacidade ociosa das empresas passaram a compor o discurso dos estadistas.

         Os tempos de Keynes defasaram. Nada mais será como antes. O projeto keynesiano requisitava o estabelecimento de uma política macroeconômica inibidora do livre fluxo de capitais. O keynesianismo, do ponto de vista geopolítico, é fronteiriço: as finanças devem ser reguladas e controladas pelo Estado. O neoliberalismo desmoronou tais fronteiras. Por outro lado, mais além da égide das finanças em detrimento da produção, há um fato social mais grave, em geral despercebido: no passado, o chamado acordo keynesiano-fordista sustentava em bases nacionais.

         Melhor explicando: no continente europeu, a classe trabalhadora subscritora do acordo (tácito ou escrito) fordista era nacional – francês, alemão, italiano, etc. Por outro lado, nos dias de hoje, as populações revoltadas das periferias, o subproletariado do porão da economia informal, é internacional. São árabes sírios, líbios, negros, latino-americanos, turcos, etc - esses que estão sendo escorraçados por cinegrafistas húngaras. Não se integram à sociedade nacional. Compõem guetos, falam outra língua. À maneira dos judeus no passado, viraram alvo dos recalques dos trabalhadores e da classe média nativa. O manual do acordo keynesiano-fordista não previa essas situações.

         É preciso investigar melhor o que chamo de “lado B” da economia política do keynesianismo e do fordismo. Em primeiro lugar, o tão decantado “acordo” entre o trabalho e o capital, base das instituições políticas liberais vigentes à época, foi perpetrado numa relação de troca na qual os trabalhadores passaram a ter acesso aos objetos de consumo (principalmente o automóvel, base de tudo), mas em contrapartida tiveram de ceder ao aumento da intensidade no ritmo de trabalho na produção. Em termos de Marx: elevou-se a alienação do trabalho. Depois – e até mais importante para entender a crise atual –, as políticas anticíclicas do keynesianismo jamais conseguiram instaurar um ciclo econômico novo, embora sem dúvida prolonguem a vida do ciclo velho.

         Mas, como – podem perguntar os surpresos com a heresia por mim declarada –, o keynesianismo não logra instaurar o ciclo novo? Afinal de contas, o mundo não cresceu adotando essas políticas? No caso da Europa, é simples: o que instaurou o ciclo novo e o acordo político do keynesianismo-fordismo foi os 40 milhões de mortos da Segunda Guerra Mundial. A política (de guerra) segue à frente da economia. Triste contestação: foram necessários milhões de mortos para relançar a economia capitalista. A partir deste marco, as mágicas macroeconômicas do keynesianismo se puseram a funcionar.

         Contudo, embora verdadeiras, as crises fiscais, nacional e internacional, atuam nas camadas de superfície, uma espécie de espuma nas ondas revoltosas do mar. Nas camadas mais profundas da crise internacional, mas de incidência total no Brasil, diviso a absoluta falência de um sistema monetário baseado numa moeda universal emitida por uma autoridade nacional, que pode sacar à vontade em descoberto, seja para realizar guerras ou salvar bancos, empresas e Estados falidos.



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