O grande acontecimento da história do Brasil ainda não aconteceu
Jaldes Meneses
Em pleno apogeu dos anos de chumbo, na primeira metade dos anos 70, o grande historiador, comunista convicto e general cassado pela ditadura Nelson Werneck Sodré foi convidado a um evento - de fato, um ato de resistência -, no Centro Acadêmico de História da USP. Lá pelas tantas uma mocinha dirige uma pergunta ao historiador: - General, qual o grande acontecimento da história do Brasil? Do alto de sua sabedoria, Nelson Werneck respondeu algo assim: - o grande acontecimento da história do Brasil ainda não aconteceu.
Sem carregar demais as tintas numa filosofia da história, pode-se deduzir da experiência do tempo social que o grande drama brasileiro é ser uma história escassa de acontecimentos verdadeiros, do tipo aqueles pelos os quais o poder da soberania popular institui uma constituição. Seria falso dizer que somos uma sociedade ausente de lutas, resistências e até mesmo de grandes e heróicos movimentos sociais e de massas. No entanto, o nosso estigma é que nos momentos mais agudos de crise política de nossa história as soluções se deram pelo alto, através de um pacto das elites dominantes. O transformismo - a categoria de Gramsci para designar a participação política subalterna das massas populares - configurou-se como padrão.
A lista de exemplos é demasiado longa. Já no império, quando o período das regências - no dizer de Sérgio Buarque, uma “experiência republicana” por dentro da monarquia - encontrava-se numa encruzilhada, surgiu da cartola mágica a decretação da maioridade de Pedro II (1840). Depois disso, apaziguaram as diferenças entre liberais e conservadores e o poder moderador da constituição outorgada, finalmente pode ser exercido pelo imperador. É verdade que, como resultado do acordo, manteve-se a integridade do território nacional, mas, por outro lado, encaminhou-se a abolição da escravidão a contagotas. Quando sobreveio a República, o drama manteve-se. Sem delongas, basta recordar a famosa frase de Aristides Lobo sobre o dia 15 de novembro: "o povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava."
Tal qual no mundo inteiro, o período entreguerras (1918-1939) também balançou o Brasil. Três acontecimentos de 1922 ajudam a explicar a emersão do país no terremoto do entreguerras: 1) a revolta dos 18 do Forte de Copacabana (05/06), de onde saiu o tenentismo; 2) a fundação do PCB (25/03); e 3) a semana de arte moderna de 1922 (18/02), anunciação contraditória dos projetos de renovação estética e projetos intelectuais de modernidade e modernização. Dessa amálgama complexa e contraditória - já razoavelmente interpretada pela historiografia - resultou o movimento de 1930, que derruiu a Republica Velha e o modelo agrário-exportador herdado do antigo sistema colonial. De 1922 a 1937 o Brasil viveu um complexo e enriquecedor processo de indeterminação a vários caminhos - desde o revolucionário até o liberal conservador -, que só se “resolveu” com a assunção do Estado Novo, em resumo, para encurtar a conversa, uma aliança bonapartista entre Vargas e as forças armadas.
O arco histórico - já arqueológico - da crise da maioridade até o Estado Novo (em torno de 100 anos) permite entrever uma continuidade de soluções políticas pelo alto e resolvidas em negociações no âmbito do aparelho de Estado.
Cabe perguntar: mantém-se o padrão? Uma vez mantido, como explicar duração tão persistente?
(fim da primeira parte)
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