A resiliência de Lula e a transferência de votos





Jaldes Meneses
As pausas e os silêncios são fundamentais e dizem muito, tanto em música como em psicanálise. O fato de a mídia tradicional brasileira fazer ouvidos de mercador aos resultados da pesquisa MDA-CNT divulgados ontem são bastante sintomáticos. Trata-se de um silêncio que grita.
Foi preciso um jornal inglês e dirigido ao mercado financeiro, o Financial Times, acusar o golpe e abrir o jogo. Para o Financial, o “mercado” pode ir tirando o cavalinho da chuva: na hipótese da interdição do Lula, não serão os tucanos os beneficiados (a popularidade deste partido está na lona), mas Jair Bolsonaro. E ainda por cima o Financial adverte que o “paraíso” da gestão Temer tem prazo de validade: até 31/12/2018.
Os números da pesquisa MDA-CNT escancaram que, mesmo após a festejada audiência amigável entre Palocci e Moro, Lula permanece em primeiro lugar. Mais. Cresce! Bate todos os adversários em primeiro e segundo turno. Marina perde o segundo lugar. Os tucanos escafedem. Bolsonaro, embora lá atrás, consolida-se de vez como principal adversário de Lula, o que significa, em definitivo, a consolidação da tendência à polarização entre direita e esquerda nas eleições presidenciais de 2018, mais uma vez comprovando a relativa autonomia plebiscitária do presidencialismo brasileiro.
A relativa possibilidade de autonomia entre oligarquia política, soberania popular e eleições presidenciais, ensejada involuntariamente pelo nosso presidencialismo, permite fenômenos como a extraordinária resiliência de Lula. Trata-se, certamente, do político de primeiro time mais perseguido da história do Brasil. Por isso, os neoliberais tupiniquins - fazendo coro aos ensinamentos elitistas de Hayek, para quem a soberania popular precisa ser limitada - babam pelo parlamentarismo.
De onde vem a resiliência de Lula? Do meu ponto de vista, de dois fatores:
1. Existe historicamente na história brasileira um conflito de longo prazo entre um partido popular e o partido das elites. Por isso, não se desmontam o PT, a esquerda, nem a liderança de Lula facilmente. Antes, essa polarização ocorria entre Lula (ou um candidato indicado por ele) e um candidato tucano. Desta vez, arma-se outro desenho. os tucanos perderam espaço, saindo do jogo sucessório em que se mantinham de 1994 até hoje.
Desde as recentes campanhas de massas do impeachment - de que a Avenida Paulista e o Pato da Fiesp compõem o paradigma inexcedível - a extrema direita começou a polarizar com a esquerda, sem dúvida um jogo mais perigoso, mas talvez prenúncio que estamos às vésperas de grandes mudanças e transformações. A sociedade brasileira se polarizou muito. Não é por acaso que um candidato truculento e boçal ao estilo Bolsnonaro pontue melhor na faixa de eleitores de renda superior a 10 mil reais e diploma universitário. Na crise, o senso comum é tudo. Bolsonaro pretende resolver o histórico problema da desigualdade pela segurança, movendo a parte dos baixos instintos do senso comum: o negócio é matar bandido e reprimir os costumes que está resolvido o problema.
2. O desastre das políticas neoliberais de Temer vem reavivando na cabeça de nosso povo a memória de um tempo de desenvolvimento. Neste caso, o desenvolvimento funciona como uma espécie de palavra-síntese usada para exprimir muitas coisas boas, mas significando especialmente uma época de inclusão social e pleno emprego. Lula é o emblema de tudo isso e seu melhor cabo eleitoral atende pelo nome de Michel Temer.
Para aonde vão os votos de Lula, caso ele seja interditado? Os tucanos poderão voltar ao jogo, confundindo campanha eleitoral e velório, prometendo mais quatro anos de Michel Temer? A saída de Lula pode franquear a periferia (nosso grande Nordeste morfológico) ao crescimento de Bolsonaro, assim deixando de ser o candidato preferido dos que ganham mais de 10 mil reais.

Não está claro - nem vi ninguém até agora formular nestes termos - mas resiliência pode significar capacidade de transferência. Repetindo: Lula fora do páreo por motivo de eventual sentença de juiz pode significar capacidade de transferência de votos. Quanto mais dramática a novela, talvez seja maior a capacidade de transferência. São circunstâncias e épocas diferentes, mas na Argentina de 1972, Péron, interditado e exilado, elegeu Héctor Cámpora… Como se dizia na época: "Perón no poder, Campora no governo". 

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