O século dobrou a esquina


Jaldes Meneses

Estão se encerrando dois ciclos históricos combinados, o da constituição de 1988, bem como o "ganha-ganha" policlassista do lulismo originário, possibilitado pela lealdade de todas as forças políticas - mesmo as de oposição - ao terreno comum da atual constituição, não por acaso muito conhecida como "cidadã". É preciso nos prepararmos para o florescimento de um novo período histórico, uma democracia de baixa intensidade, avessa à participação popular. A democracia de baixa intensidade trata-se de uma aposta inviável. Impossível, dado a complexidade intrínseca da sociedade brasileira, bem como a desigualdade social, deixar de haver mais radicalização que conciliação. O século dobrou a esquina. 

A era Lula (a fase dourada dos governos passados de Lula e Dilma, compreenda-se) acabou, mas contraditoriamente o lulismo cresceu muito. Ergeu-se, por artes que ninguém domina ou planeja em laboratório, o maior movimento político de massas da história brasileira. É importantíssimo defender o legado da era Lula e compreender o novo papel radical do lulismo em crescimento. De imediato, a nova agregação potencial das massas virá mais, de imediato, de um programa de combate concreto às reformas neoliberais da previdência e do Estado, entre outras do governo Temer. Há de haver intrínseca combinação entre a defesa intransigente da democracia e contra os gravíssimos retrocessos. Mais vale o que será.

Não apenas Lula é a vítima, como ele próprio lembrou ontem no comício da Praça da República em São Paulo. A situação é muito mais grave e diz respeito a todos nós. O Brasil sempre se caracterizou por formas políticas de exceção. Na história do Brasil a democracia é exceção e não regra. Neste aspecto, é fundamental analisar o lugar do poder judiciário na armadura do poder dominante hoje. 

Socialmente,  sempre, o judiciário brasileiro se caracterizou - com as exceções de praxe -, como um segmento das classes dominantes que se comporta como um estamento oligárquico. Contudo, apenas a remissão histórica é insuficiente para entender o que se passa no poder judiciário. Existem novidades no ar. 

Recentemente, o poder judiciário, especialmente os altos escalões, mais que o atávico e renitente espírito de corpo corporativo, transformou-se numa espécie de suprapoder ativista com evidente projeto de poder. Compõe a engrenagem nobre de um novo estado de exceção em montagem. No passado, a exceção se inscrevia nos dispositivos constitucionais de estado de emergência ou de sítio, usados pelos dirigentes máximo do Estado em conjuntura de crise e convulsão social. Os instrumentos clássicos de exceção constitucional continuam em vigor, evidentemente. Mas emergiu uma nova forma política de exceção, por assim dizer, de prontidão, pronta para agir situadamente a partir das fímbrias decisionistas de interpretação da lei - especialmente o direito penal e os direitos sociais, políticos e civis. 


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