A isca bonapartista de Temer



Jaldes Meneses

Temer esteve hoje à tarde (22/02) na sede do Ministério da Defesa em um reunião do Conselho Militar do ministério. Percebam, não foram os militares que foram ao Planalto, mas Temer que se deslocou aos militares. Passasse o fato em dias corriqueiros seria uma visita banal, mas após e decreto de intervenção federal-militar no Rio de Janeiro, o gesto reveste-se de agudo simbolismo. Por enquanto, apenas simbolismo - não à toa, foi o primeiro presidente brasileiro a visitar aquele ministério. 

Falou-se muita coisa sobre a intervenção, mas um detalhe da maior importância tem passado relativamente incólume. Em termos de teoria política, o gesto de Temer decretando pela primeira vez uma intervenção é clássico. O ato foi tipicamente bonapartista. 

Muita gente que discute a questão do bonapartismo resume o conceito à emersão de um personagem histórico que surge numa situação de equilíbrio catastrófico de classes com a missão de arbitrar o conflito social. Além de o tertius não precisar, necessariamente, constituir um personagem carismático, como imaginam alguns, uma das principais maneiras de o personagem resolver o equilíbrio, do ponto de vista das classes dominantes, reside exatamente no apelo às forças armadas como maneira de ferrolho da crise, assim estabelecendo um novo equilíbrio. Quem não tem cachorro caça com gato, reza o ditado popular. Temer, ao que me parece conscientemente, por experiência política prática e não por marco teórico, objetivamente desatou um processo de interpelação de condomínio de poder às forças armadas.

Samuel Huntington, em um clássico das teorias de modernização conservadora, “A ordem política em sociedades em mudança”, definiu em 1965, imediatamente após o golpe de 1964, que o Brasil era uma “sociedade pretoriana” (não confundir com ditadura). Não se trata de antever ditaduras em cada encruzilhada, um velho tique paranóico, mas tampouco é correto diluir o papel estrutural das forças armadas no Brasil em um taticismo pseudamente sabido. Por incrível que pareça, em política o mais cínico é sempre o mais ingênuo. Assim, o fantasma do pretorianismo, muito tempo guardado no armário, ronda novamente o Brasil. 

Engolirá as forças armadas a isca matreiramente içada no anzol de Temer? Auguro que não, mas a questão está em aberto.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Vinícius de Moraes: meu tempo é quando

Colômbia: 100 anos de solidão política

Gramsci: A Filosofia Política do Conceito de Relações de Força (trechos)