O Brasil é Oswald Spengler

Jaldes Meneses

Aonde chegamos em termos de exotismo, extravagância e excesso! O governo Bolsonaro nem é mais uma ideia fora do lugar, mas uma ideia fora do tempo.

Em conhecida frase, Keynes dizia que o político prático irrefletidamente fala pela boca de algum economista morto. Aduziria à lição keynesiana, o intelectual subalterno, adulador. O chanceler escolhido das relações exteriores pelo governo Bolsonaro, Ernesto Araújo, escreve artigos recuperando velhas teorias da história. Acabei de ler o elogio delirante e subdesenvolvido que o novo ministro dedicou a Donald Trump. Trata-se de um texto repleto de expressões como “Deus imanente na história”, “cristianização da política”, etc.  

Em linha com a moda da nova direita irracionalista internacional, as notas do futuro chanceler misturam, através de fontes secundárias confusamente assimiladas, o último Nietzsche com uma aparente crítica a teoria da história do progresso de Hegel, que mesmo assim mantém-se, agora pervertida na teologização da imanência. Vale dizer que a fonte dessa leitura de Nietzsche advém de sua irmã pan-germanista fanática, Elisabeth Förster-Nietzsche. 

Como sabido, a irmã domesticou em viés nacionalista alemão o martelo radical de  Nietzsche, antes dirigido a tudo e a todos - especialmente o cristianismo e o nacionalismo - e o pôs à serviço de uma visão de romantismo trágico, misticismo e racismo na veia. A resultante final foi Hitler e o nazismo. Todas essas artilharias intelectuais são arqueológicas na história das ideias e atendem, na Alemanha, especialmente pelo nome de Spengler.

O mundo se espanta: o velho professor secundarista Oswald  Spengler - maior best-sellers alemão na década de vinte do século passado, primeiro publicista influente da direita alemã na época da república de Weimar (1918-1932) - como guru das relações internacionais brasileiras. A cotação do pensamento liberal e ilustrado de José Guilherme Merquior e Sérgio Paulo Rouanet, intelectuais de proa do Itamaraty, anda em baixa nos ensaios irracionalistas mal traçados do chanceler Araújo.  

Importantíssimo atentar ao seguinte museu de novidades: o alvo da crítica do chanceler não são apenas a esquerda ou o socialismo, mas a própria modernidade e o iluminismo. O pretexto do abandono das luzes é um antipetismo fanático. Quem diria? O porto cinza em que o tal de Ernesto Araújo ancorou a sua nau dos insensatos, por mim batizada de Casa Verde (by O Alienista) - certamente distante das fontes eruditas originais, mas influenciado pela vulgata do padrinho da terra plana (Olavo de Carvalho) -,  dista léguas submarinas da tradição dos valores do liberalismo político contratualista e do cosmopolitismo kantiano, pilares da construção do sistema internacional do pós-guerra. 

Não é, por enquanto, a decadência do ocidente que se vislumbra. Mas a imagem do chanceler de joelhos como um adolescente diante do semideus é sintoma, com licença da pegada romântica, da decadência do Brasil. O cheque em branco que o eleitor deu em maioria a Bolsonaro - de fato um ilustre desconhecido da maioria dos que nele votaram - recomeça a reproduzir a voz do morto autoritário das glórias nacionais (by Caetano Veloso). Continua-se a percorrer, mais uma vez, a porta aberta, mil vezes arrombada, de fabulação agregadora de um inimigo externo ("globalismo", "marxismo cultural", etc.). Um lacaniano diria: operação de fabulação de significantes vazios, consumo de ideologia pura. O gigante periférico permanece sem remissão dos pecados. Por provisório que seja, inexiste desatino sem epílogo, mas o desenlace desse eterno retorno, da eterna revisita do grotesco, também é sempre infeliz.

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