Obama venceu as primárias

Postei algumas vezes sobre as primárias americanas e previ, incisivamente, a indicação de Obama como candidato do Partido Democrático americano no dia 01 de março. O muro é o abrigo da mediocridade e não vejo graça nos autênticos clones do "Conselheiro Acácio" (personagem famoso de Eça de Queiroz) que são esses jovens meio idiotizados que aparecem na televisão abrigados sob rótulo estranho de "cientista político", fazendo sabedoria ex post facto. Não tenho, é óbvio, bola de cristal nem a minha previsão continha nada de extraordinário. Muita gente detectou a tendência. Republico pela primeira vez uma postagem no blog somente para enfatizar que atiro em várias direções (política, filosofia, história e poesia) e sei dos riscos a correr. Mas tenho algum conhecimento de mira. Em política, Gramsci costumava dizer que só pode prever quem opera. Evidentemente, "prever", neste caso, numa compreensão ampliada da letra gramsciana, não tem a ver somente com a experiência direta, empírica, do fato (não participei da campanha primária democrata), embora, hoje, e desde a instauração da modernidade tecnológica, testemunhas oculares da história, todos nós o sejamos. Assim, "prever" significa um tipo de pensamento estratégico que reúne história, teoria política e, digamos, um senso aguçado dos rumos do processo, ou seja, daquilo que Gramsci chamava de "direção política". Estou a milhares de quilometros dos Estados Unidos? Bobagem provinciana. Pode-se perfeitamente prever à distância. Quem quiser começar a prever, aconselho começar a fazer a lição de casa lendo uma obra-prima chamada o 18 Brumário de Luís Bonaparte (Karl Marx). Pretendo (já reuni algumas fontes) escrever um artigo mais consistente sobre Obama. Por enquanto, fiquem com a leitura das antigas postagens. (Jaldes Reis de Meneses).

Barack Obama (01/03/08)

Não é mais surpresa pra ninguém: Obama, uma espécie de Lula nas condições americanas, deve vencer Hillary, nas primárias do dia 04 (terça-feira), sendo ungido candidato do Partido Democrático. E leva a crer – ainda não é certo – que será o primeiro presidente negro dos Estados Unidos da América. Acho bobagem o cálculo republicano de que é mais fácil enfrentar Obama. Nada. Ledo e ivo engano (esse poeta alagoano cheio de onda, rsss, onda?). Onda prá valer é Obama. O homem é onda, símbolo, movimento represado lá atrás. Movimento de sociedade mais que partidário. Uma onda que cresce e ainda não se esgotou. No que vai resultar a onda, eis a questão. Barack Obama é, ao seu modo inédito, um quadro da elite norte-americana. Por outro lado, muitos de seus apoios discrepam da elite (aliás, bastante interessante a nada discreta piscada de olhos de Hugo Chavéz a Obama), ou seja, há em torno da figura de Obama expectativas mil que ele não controla. Sequer escrevo coisa nova, nem quero sugerir uma espécie de “otimismo da inteligência”: a emergência de um novo projeto de sociedade americana nucleada na capacidade aglutinativa do jovem senador negro do Havaí (rs, Havaí?). Legal: mais ou menos como um presidente brasileiro vindo do Acre. Se não há projeto novo em Obama, surge a questão chave: nada há de novo a fazer no Iraque e no Afeganistão, e quase tudo dos destinos (vale dizer, tudo situado de fora dos escaninhos infantilizados da economia do desejo do marketing político) de seu eventual governo (a prova dos nove) será decidido por aí – mais do que pelo lado da crise econômica (que mobiliza as atenções na campanha eleitoral). As tropas continuarão acantonadas no deserto e nas montanhas. Arrisco a um palpite: ele não vai retirar as tropas do Iraque a curto nem médio prazo, desfazendo o consenso heterodoxo e heterogêneo constitutivo da onda prestes a virar tsunami eleitoral - a confraternização de Bill Gates e Georges Soros, dos jovens idealistas e dos negros discriminados. Lindo, Obama! E Cuba, que eu tenho abordado tanto aqui no blog? Embora assunto importante (a Ilha encontra-se a 150 km! da Flórida, uma confluência de águas azuis bossa novistas), Cuba está longe de constituir prioridade. O fio do novelo continua do Oriente Médio. (Jaldes Reis de Meneses)

Barack Obama (iii), 13/02/08

Para que a nota anterior do blog não cheire a qualquer simpatia ou adesão a Obama ou ao “obamismo” – em casos assim, sempre duas entidades diferentes, em forma e conteúdo, como Lula e “lulismo”. A crítica mais dura que se deve fazer à candidatura Obama é que ela tem aquele grau de indeterminação, generalidade e oportunismo fundamentais ao trânsito de um espectro a outro da política. Entre esquerda e direita, ou, no jargão americano, entre liberais e conservadores. Acaso vitorioso, Obama precisará recolher votos de uma ponta a outra, ao mesmo tempo, é claro, que vai isolando os extremos políticos. Por isso, ele andou dando declarações de admiração a Ronald Reagan, mesmo com as considerações de praxe de discordar do conteúdo das idéias, etc, etc. Política institucioanl hoje é isso: repleta de rituais, criação de mitos e reputações a partir do nada. Obama está piscando a eleitores republicanos eventualmente insatisfeitos com McCain. É importante desde já observar que Obama consegue mobilizar, fazer a liga, entre eleitorados díspares, como os negros, os jovens (principalmente os jovens), os ricos e os muitos ricos. Somente a indeterminação consegue dar vetor a aspirações tão distintas. Por último, vejam que gracinha o slogan de campanha de Obama: yes, we can; yes, we can. "Sim, nós podemos"... Eleger Obama. O cara vai longe... (Jaldes Reis de Meneses).


Barack Obama (ii), 13/02/08

Obama vence em três previas e ultrapassa Hillary, manchete em todos os jornais e portais de internet. Uma eleição que parecia até a pouco tranqüila virou um emocionante enfrentamento. Estou reunindo material para escrever um artigo mais denso, nos próximos dias, sobre a eleição norte-americana, algo mais que somente uma postagem de blog. Escrevi há tempos sobre a Guerra do Iraque (a primeira e a segunda), de maneira que vou seguir, no caso da eleição norte-americana, o fio de uma meada analítica. Em resumo, trabalho com uma certeza e duas hipóteses. A certeza: fica complicado analisar as eleições nos EUA sem uma embocadura histórica. Penso, por exemplo, em eventos e processos do escopo da explosão populista do começo do século XX, os embates do new deal e a estratégica geopolítica de hegemonia mundial posta em prática pelo Departamento de Estado, já durante a Segunda Guerra. Sem saber direito o motivo inconsciente, quando o assunto é sociedade e política nos EUA, a primeira referência que me vem a cabeça é o atormentado poema "Kaddish", de Allen Ginsberg - um lamento fúnebre de um filho sobre a morte da mãe. Nas fímbrias do poema, ficamos sabendo da saga da mãe do poeta: um imigrante russa, trostkista, às voltas com os impasses políticos da crise de 29 e do new deal, indo ao extremo de danificar a saúde mental. Certamente, de alguma maneira, a derrota narrada em "Kaddish" (em um registro mais realista, por exemplo, poderíamos recordar os romances "As Vinha de Ira", de John Steinbeck ou "Babbit", de Sinclair Lewis), não é um caso isolado, mas a representação atrística, no poema beat de Ginsberg, de uma geração que sentiu na pele a vigência do fordismo, junto com a necessária derrota do movimento operário em sua feição mais clássica, digamos, de esquerda revolucionária e marxista. Nos Estados Unidos, para quem não sabe. Toda essa revisitação às fontes históricas para afirmar o seguinte: estão redondamente enganados os que pensam que os EUA têm uma história pacífica, uma sonolenta disputa entre dois partidos políticos parecidos. Nada. Recentemente, quando da “queda do muro de Berlim” (já escrevi a propósito) ganhou peso uma nova estratégia – divergente da dos tempos da guerra fria, que foi formulada por intelectuais como G. Kennan e Nicholas Spykman – de domínio imperial, através da força e da coerção ideológica. Tivemos a novidade, essencial, pois não havia antes do fim da guerra fria, da aliança entre os chamados “neoconservadores” (mais abertos no terreno moral) e da direita cristã. O ápice do sucesso da aliança neocon-fundamentalistas foi precisamente a eleição presidencial de 2004, entre G.W. Bush e John Foster Kerry. Passamos daqui à primeira hipótese: a hegemonia neoconservadora começou a declinar e encontra-se mesmo em xeque. Segunda hipótese, mais importante, pois chama a atenção para um processo de novas determinações, essencialmente aberto: para além dos programas políticos dos candidatos, começa a ocorrer um ressurgimento do confronto social e político no seio da sociedade civil americana, que deve ser acompanhado e até saudado. (Jaldes Reis de Meneses).

Barack Obama (i), 13/02/08
Conversa jogada fora nos corredores da UFPB: Barack Obama é carismático. Ah, tá. Mas, o que significa carisma, uma dádiva de Deus a determinados escolhidos seletos? Caso pensemos assim, carisma não é conceito, somente um cerrado mito, uma irracionalidade a mais, impedindo a liberdade de pensamento. Afastada a hipótese divina, indiscutivelmente o carisma existe na qualidade de uma relação social, por isso Weber estudou uma forma de dominação que chamou de carismática, nomeada por ele como uma das três formas de dominação como a legal-racional e a tradicional. Nas sociedades contemporâneas, a dominação tradicional foi falecendo aos poucos, por outro lado, o carisma é cada vez mais atuante, compondo um mix com a dominação burocrática legal-racional. Gramsci, comentando Weber, faz uma afirmação de carisma que considero brilhante: para o pensador italiano, o carisma se impõe em um vácuo, um vazio social, ou seja, quando há uma distância entre as forças políticas organizadas institucionalmente (vale dizer, de modo “legal-racional”) e as aspirações populares. O carisma irrompe neste hiato, não é nem salutar, nem danoso, mas um processo que se abre não se sabe para aonde. Neste sentido, o carisma instaura uma fenda de indeterminação. Barack Hussein Obana não tem programa. Nem precisa. Trata-se desde já, moço, de uma legenda, por isso seu futuro político só comporta duas opções: a glória histórica ou o fracasso total, nem pelo que é realmente (certamente uma pessoa inteligente ou ao menos sagaz), mas pelo que começa a significar. Precisa de refrões de “esperança”, e “mudança”. No caso específico das eleições primárias dos Estados Unidos, para além do exame consciencioso do programa de Obama, o que realmente conta são as aspirações adormecidas que a figura do jovem senador negro vem mobilizando, em um momento decisivo da sociedade americana. (Jaldes Reis de Meneses).


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