A sucessão abriu
Jaldes Meneses
As pesquisas eleitorais sempre têm impacto psicológico, mas a pesquisa do DataFolha de hoje (sábado, 29/07), embora nos números já fossem esperados, pareceu uma hecatombe: a candidata favorita até ontem às eleições presidenciais do próximo ano, caiu vertiginosamente em poucos dias, exatamente o tempo das manifestações de rua, na avaliação de governo (de 57 para 30 % de boa avaliação). Isso quer dizer que abriu a sucessão presidencial e Dilma não é mais – embora possa ela se recuperar, é claro – a favorita. Definitivamente, as ruas abriram a sucessão presidencial.
Se Dilma perdeu, quem ganhou? Quem sabe?, embora sinta o cheiro que a ganhadora circunstancial seja Marina Silva. Seria mais fácil saber se tivesse saído o “partido das ruas”, mas este não foi criado. Encontrei a pouco na livraria do Shopping um amigo dos tempos de movimento estudantil, hoje juiz federal (prefiro não revelar o nome) que me fez uma confissão surpreendente. Ele votaria num partido do tipo PSOL, desde que ele abrisse mão do socialismo e encaminhasse um programa de reformas no Brasil, combatesse realmente a corrupção e melhorasse a educação e a saúde. Para ele, era o suficiente. O partido do meu amigo não existe, embora ele desponte tanto nas mobilizações como até em algumas campanhas eleitorais do ano passado.
Vou dar um exemplo eleitoral aparentemente desconectado. Sempre surpreendo meus alunos em sala de aula quando comparo a campanha de Marcelo Freixo à prefeitura do Rio de Janeiro ano passado com as campanhas civilistas de Ruy Barbosa. É claro que o candidato não pensou conscientemente em nada disso, mas ocupou um espaço.
No fundo, relativo ao sistema político, vivemos tempos parecidos à república velha: antes e agora, os vasos comunicantes entre o sistema político e a sociedade civil foram obstruídos. Quando esses vasos são obstruindo, irrompem os protestos radicais. No Rio, o prefeito eleito fez uma coligação que juntou TODOS os partidos eleitoralmente relevantes. Contudo, na oposição, uma pequena coligação cresceu, surpreendeu e, principalmente, empolgou. Para mim, na votação de Freixo já se prenunciavam as mobilizações sociais que sacudiram o Brasil e o Rio de Janeiro.
Detesto mencionar impressões superficiais de senso comum e lhes dar caráter científico, contudo o questionamento de veio das ruas ao bloco de poder da coligação PT-PMDB, ato contínuo, permitiu que eleitores de todos os segmentos sociais arquivassem o conformismo (por isso que tanta gente que antes parecia anestesiada começou a assumir posições surpreendemente radicais).
Farei nos próximos dias, com mais vagar, uma avaliação mais consistente das recentes mobilizações brasileiras, que foram muito ricas. De antemão, registro que há muita confusão a respeito. Mas, entendo, as pessoas, no fundo, conhecem pouco história e menos ainda são treinadas, mesmo na universidade, para avaliar conjunturas de crise.
Hoje, ao contrário dos tempos do neoliberalismo, o ativismo está em alta. É charmoso – quem diria? – ser ativista. Por outro lado, não saiu das ruas, nem embrionariamente, nenhuma força política organizada, o que significa que o jogo institucional continuará, ao menos por enquanto, a ser jogado pelas mesmas forças. Porém, o jogo não será mais jogado como vinha sendo antes.
Principal jogador, o PT encontra-se numa sinuca de bico. Ao mesmo tempo, ele precisa fazer uma inflexão à esquerda (a reaproximação de Dilma com os movimentos sociais e a proposta do plebiscito da reforma política têm este significado), mas ao talante de manter a política fiscal e o condomínio com o PMDB e outros aliados à direita. Esta equação não fecha. Mais ainda: mesmo que consiga eleger Dilma baseado neste tênue equilíbrio, com certeza o próximo mandato presidencial será de aguda crise política, ou alguém duvida?
Outros amigos, quando faço essas avaliações sombreadas, me perguntam se as massas não reconhecem as mudanças do governo do PT. Reconhecem, mas a questão é outra. Na verdade, os governos de Lula e Dilma promoveram um inegável processo de afluência social, que não devem ser confundido com reformas de estrutura. Acontece que o programa de reformas fortes (urbana, agrária, política, etc.) com as quais Lula em 2012, quando ele foi eleito pela primeira vez (embora fosse compromisso, a “Carta aos Brasileiros”, realmente um aceno ao capital financeiro, ainda era papel, não influiu decisivamente na percepção do eleitorado) foi arquivado em benefício do velho conservadorismo mudancista brasileiro.
Afluência sem reformas é o busílis das ruas.
Ou seja, aquela ideia, cara também a FHC, de que é possível realizar progresso e modernidade conduzindo alianças junto com a calda atávica do atraso. As ruas degringolaram a este cálculo político pseudamente realista. A afluência chegou a seu limite, parece que ela, doravante, para seguir em frente, necessita de reforma de estrutura. Desde os tempos de Jango sabe-se que não se faz reformas de estrutura sem quebrar os ovos.
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