O novo neoliberalismo de Aécio Neves
Jaldes Meneses
Há
muita confusão relativa ao verdadeiro sentido da expressão neoliberalismo.
Originalmente, sem dúvida, a expressão remete à agregação de intelectuais –
principalmente Hayek e Von Mises, os economistas do grupo – que se reunia, no
período depois da segunda guerra, nos seminários da Sociedade de Mont Pèlerin, na mesma região montanhosa e
gelada dos Alpes Suiços cenário do mais célebre romance de Thomas Mann – A Montanha Mágica –, e próximo aonde
se realizam os encontros anuais de Davos, que reune a nata dos gestores do
capitalismo mundial.
O programa da Think Tank de Mont Pèlerin, a partir dos valores de defesa de uma sociedade
aberta de mercado, sem arrodeios era muito claro: a crítica a qualquer
intervencão ativa do Estado na economia, especialmente as experiências
inovadoras em curso na Europa ocidental, que montaram as politicas sociais
universalistas de previdência e funcionaram quase em ritmo de pleno
emprego.
Embora a origem da expressão
neoliberalismo esteja consignada em Mont Pèlerin, ela passou por várias
mutações ao longo do tempo, sendo portanto uma operação inútil simplesmente
decalcar da dogmática original uma tipologia e aplicá-la a circunstâncias
históricas diferenciadas. O neoliberalismo mais se assemelha a um arco-iris do
que a um gato pardo.
Cito duas mutações do neoliberalismo,
especialmente importantes para nós do Brasil e da América Latina. A primeira
delas, localiza-se em 1978-1982, a partir das políticas marcroeconomicas do
governo Reagan, conduzidas por Paul Volcker no Banco Central americano, que
subiram unileteralmente as taxas de juros nos mercados internacionais,
quebrando países como o Brasil, México e Peru, incapazes de pagar as
respectivas dívidas externas. Resultado brasileiro: foi-se embora sem deixar
saudades a ditadura militar; entretanto, o regime substitutivo, a chamada “nova
república”, longe de acertar o prumo do desenvolvimento, amargou inflação,
saques, desemprego – os avatares da “década perdida”.
O problema dos resultados das políticas de
Reagan-Volcker é que eles vieram goela abaixo como se amarga um purgante. As
missões do FMI vinham vasculhar as contas dos países periféricas à maneira de
uma tropa de ocupação. Nos termos de Gramsci, foram mais políticas de domínio
que de hegemonia.
Diferentemente, mais hegemonia que domínio, foram
as politicas de “ajuste estrutural” (reparem: até esta expressão foi clonada do
vocabulário antipoda do desenvolvimentismo cepalisno) dos anos 90, cuja síntese
perfeita foi o nosso Plano Real (1994). O Plano Real foi bolado por nossos
melhores economistas da universidade e do mercado financeiro (Pérsio Árida,
Edmar Bacha, André Lara Resende, etc.), a partir de um diagnóstido do caráter
inercial da inflação brasileira e da possibilidade e atrelar a nossa moeda a
uma âncora cambial de paridade ao dólar, mas conduzido pela batuta de um acadêmico que se tornou
político, Fernando Henrique Cardoso.
Menos
aplicação forçada de um purgante armago, o Plano Real combinava economia
(evidentemente neoclássica e ortodoxa, privatizações, ajuste fiscal, metas de
inflação, superávit primário) e política (reforma do Estado, políticas de
transferência de renda, combate à fome, cotas sociais, incentivo à parceria com
ONGs), buscava consensos e parceiras na sociedade civil. Quem melhor resumiu o
ideário desta mutação do neoliberalismo foi o economista John Williamson, na
palestra na qual foi consagrado o “Consenso de Washington”, em 1993.
Desde a crise econômica de 2008, a segunda
mutação do neoliberalismo esgotou-se internacionalmente. Os primeiros sinais Os primeiros sinais já
se manifestaram em 2001, durante a grave crise argentina de paridade cambial
peso-dólar, acarretando a queda do governo Fernando De La Rúa e o retorno dos peronistas ao
poder. Iniciou-se, então, uma grande transição de modelo que acarretou a
vitória eleitoral de candidatos ligados a partidos de esquerda em quase toda a
América Latina (exceção da Colômbia).
No Brasil, o processo de transição teve ritmo
próprio. Embora Lula tenha sido eleito em 2002 com um programa antineoliberal, somente
no segundo governo – visando conter os efeitos disruptores da crise de 2008 –,
o PT cedeu ao charme das políticas anticíclicas neokeynesianas. O problema é
que as políticas anticíclicas do kenesianismo conseguem prolongar o ciclo
capitalista de crescimento, mas jamais, apenas através de mecanismos estritamente econômicos, instaurar um novo ciclo virtuoso.
Revela-se, assim, o dilema do governo de Dilma e a motivação estrutural dos
acontecimentos de junho do ano passado.
Abriu-se, portanto, um novo período histórico, e
com ele a possibilidade de uma nova mutação, um novo neoliberalismo. Este é
precisamente o significado da candidadura de Aécio Neves, no qual labora o
conteúdo secreto – marketing de televisão é outra conversa – de sua equipe de
trabalho, composta de Samuel Pessôa, Elena Landau, Xico Graziano, Armínio
Fraga, etc.
Nas melhores tradições dos technopols (técnicos com a
dimensão potítica dos problemas econômicos) da época
do “Consenso de Washington” – economistas que sabem manejar a teoria econômica
ortodoxa, mas também a análise política das correlações de forças –, os
lua-pretas de Aécio partem da premissa que é politcamente inviável implementar
no Brasil uma reforma do Estado com o grau de radicalidade do ideário neoliberal
clássico.
O novo neoliberalismo em formação atua sobre o fio da navalha, uma
base estreita de constricões. Por isso, caso chegue com Aécio Neves à
presidencia da república, o neoliberalismo, de imediato, deverá adotar uma estratégia gradualista. Há de se
aceitar formalmente, embora a contragosto, as escolhas sociais adotadas pela
Constituição de 1988, mas, ao mesmo tempo, implementar medidas microeconômicas
de reorganização da empresa capitalista brasileira e reduzir até onde for
possível mecanismos lulistas de indexação de salários – principalmente o
salário mínimo. Trata-se, enfim, de uma tentativa de aumentar a lucratividade
das empresas antes mesmo de implementar um choque na produtivade do trabalho,
que certamente só virá após uma árdua batalha em torno, mais uma vez, dos
direitos sociais.
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