O real e a farsa
Jaldes Meneses
Aos 20 anos de edição do Plano Real
O Plano Real
completa 20 anos. São, por incrível que pareça, 20 anos de incompreensão das
molas mestras do conteúdo do plano. A versão mais difundida resume-se a uma
edulcorada narrativa de epopéia: o plano fora concebido por economistas geniais (Pérsio Árida, André
Lara Resende e Edmar Bacha) e um ministro-intelectual capaz de formar equipes
(Fernando Henrique Cardoso). Melhor erigir mitos que entender a verdade.
Até antes de morrer
(qualquer um é canonizado no Brasil quando morre), o presidente Itamar Franco
era considerado – não se sabe como, pois ele era o chefe do executivo –, mais
um trapalhão que um estadista. A operação de propaganda de apagamento de Itamar
– como Stalin apagou Trotsky da história da revolução russa – tinha o óbvio
interesse em fazer sobressair o protagonismo dos tucanos e do governo FHC,
eleito três meses depois da edição do plano, pela da estabilização monetária e
a queda da inflação.
Numa das tiradas
retóricas a que estava habituada antes de se aposentar de declarações à imprensa, a
economista Maria da Conceição Tavares costumava dizer que a esquerda brasileira
nada entende de dinheiro. Vou mais longe. As pessoas comuns nada entendem de
dinheiro. Elas sabem de dinheiro apenas o senso comum: do fetiche que faz da
moeda uma espécie de ente natural que surge como retribuição do trabalho, ou
uma mágica que se múltipla nas formas de capital e taxa de juros. As pessoas
comuns pouco compreendem as condições do dinheiro como monopólio do Estado (o
direito perpétuo de senhoragem, ou seja, de emissão de moeda) e expansão de
poder no plano das relações internacionais (a questão de o dólar ser a moeda
comum de câmbio de negócios entre as nações).
A saga mais
difundida do êxito do Plano Real (por isso a canonização da equipe econômica de
FHC) privilegia apenas um lado da moeda: a ênfase no diagnóstico da “inflação
inercial”, introduzida no Brasil pela correção monetária (reminiscência do
começo da ditadura, governo Castello) e expandida através dos mecanismos de
indexação salarial (governo Sarney), derrubados pelo criativo mecanismo de
criação de uma moeda contábil (a URV, alguém lembra?), que ia “absorvendo” a
hiperinflação em moeda antiga, até ser introduzida no mercado a moeda nova, o
real. Esta sem dúvida é uma parte da história.
A parte esquecida
diz respeito ao fato que, no mesmo período, através de diversos mecanismos, a
inflação foi derrubada no mundo inteiro. O mais trágico desses mecanismos foi o
Currency Board argentino, ou seja, a paridade 1 peso/1 dólar, cuja dívida
impagável que gerou até hoje inferniza los hermanos nos tribunais de Wall
Street. Logo que o Real saiu valia até mais que 1 dólar. FHC aguentou até 1999,
depois de reeleito e a economia brasileira insolvente, finalmente resolveu
desatrelar a paridade.
O Plano Real, é
preciso que se diga, não foi uma solução mágica retirada da cartola de um
sociólogo brilhante e seus jovens assessores formados nas melhores Universidades
norte-americanas. Esta é uma parte da verdade, a mais fantasiosa. Estes gênios
de ocasião, enquanto analistas tarimbados de análise de conjuntura econômica, se
aproveitaram uma situação conjuntural favorável para a atração de capitais especulativos
pelos países latino-americanos após 1987, quando, para escapar de aguda crise
cíclica, o Banco Central dos Estados Unidos (FED), baixou a taxa de juros
interna, franqueando os capitais especulativos circularem o mundo em busca da
fácil remuneração. O Plano Real e os demais planos de estabilização
latino-americanos matava dois coelhos com uma só cajadada: resolvia-se o
problema da recessão norte-americana e dava-se uma sobrevida às economias da
América Latina combalidas por dívidas externa bancárias impagáveis, contraídas
nos anos 70.
Estes são os
padrinhos de Aécio Neves, ávidos em retornar ao poder do Estado brasileiro.
Comentários
http://www.materialismo.net/2012/05/morte-de-um-espiao-internacional.html
Note que o documento tem notas manuscritas de Stálin que não objetivavam ser publicadas, o que indica que Stálin realmente acreditava, em privado, no que escrevia sobre Trotsky.