Ricardo Coutinho: por uma nova hegemonia política
Publiquei o
artigo abaixo na edição do jornal A UNIÃO de 02 de janeiro de 20011, no dia
seguinte à posse do governador Ricardo Coutinho. Pretendo escrever até o dia a eleição,
outros artigos mais analíticos sobre o processo eleitoral paraibano, abordando
temas como as persistências e as mutações das oligarquias, o papel das esquerdas,
as pesquisas eleitorais e a vontade popular, entre outros. Achei que nada
melhor que começar a série reeditando o velho escrito de 20011.
Ricardo Coutinho: por uma nova hegemonia política
Jaldes Meneses
Artigo publicado no jornal A UNIÃO, em 02/01/11
Guardadas as devidas proporções, a vitória de Ricardo Coutinho ao cargo de governador da Paraíba produziu uma corrente de expectativas e esperanças comparável a primeira vitória de Lula à presidência do Brasil em 2002, ou mesmo à eleição de Barack Obama nos Estados Unidos em 2008. Desconfiando e muitas vezes descrente com a política e os políticos, raramente os eleitores se dão ao prazer de sorrir contente “da” e “com” a política. A eleição de Ricardo Coutinho é um desses casos.
Logo que começou a campanha eleitoral de 2010, formulei uma simples conjectura explicativa (nada mais que isso) de que a disputa seria entre um candidato da “mensagem” (Ricardo Coutinho) contra o candidato das “estruturas” (José Maranhão). Qual o significado da polaridade?
As estruturas configuram o coeficiente de conservantismo de nosso sistema político, brasileiro e nordestino, um imenso aparelho que inclui prefeitos das cidades pequenas e médias, vereadores, deputados estaduais de bases municipalistas, cabos eleitorais partidários, etc. Raymundo Faoro, no clássico livro “Os donos do poder”, chamou as estruturas por outro nome – o patronato político brasileiro. Em resumo, no que tange à ação política as estruturas agem por diretivas, de cima para baixo, da mesma maneira que um patrão-feitor comanda um escravo desprovido de direitos.
As estruturas detestam as idéias, falando à maneira de Gramsci, o campo intelectual-cultural é uma de suas fragilidades mais conspícuas. Contudo, subsidiariamente, compõe as estruturas um aparato intelectual, um insólito aparato de técnicos, bacharéis, advogados, acadêmicos, jornalistas, etc., incumbidos de difundir um realismo político superficial, expresso no mantra de que “não há alternativa, as estruturas são eleitoralmente imbatíveis”. Trata-se de aderir ou sucumbir.
Aparato fantasmagórico de concreto, por isso mesmo as estruturas são rígidas. Pode-se derrotá-las caso se consiga produzir um movimento de opinião e adesão que vá num crescendo, até virar uma onda gigante. Foi no que perseverou Ricardo Coutinho, aliando, nos termos de Maquiavel, fortuna e virtu: percebeu que as estruturas mais atávicas, patrimonialistas, do sistema político nordestino estão em declínio e de que, mais cedo ou mais tarde, chegaria a hora da Paraíba. / p>
Se quiserem uma experiência ancestral desse movimento renovação política tardia, de longa duração, o símbolo a invocar é a SUDENE de Celso Furtado, na luta algo quixotesca em trazer racionalidade ao Estado e afrontar antigos os latifundiários do algodão e os barões do açúcar. De alguma maneira, só agora começamos, enfim, a completar a obra dos heróis da SUDENE, ou seja, nos desbastamos dos truncamentos à democracia produzidos em 1964.
A fortuna depende da ocasião, da conjuntura, do vento favorável, do acerto no cálculo em dar o bote. Nem sempre o cavalo do poder passa selado. Mas a virtu requer formação política, pois somente munido dela pode-se preparar a própria estratégia, ou, nos termos da cultura pagã dos romanos, revivida por Maquiavel, domar e submeter a fera, a deusa fortuna.
Goethe dividiu a vida de seu personagem Wilhelm Meister em dois romances, Os anos de aprendizado e Os anos de formação. No primeiro, o foco está posto na formação do indivíduo, enquanto o segundo descola esse foco para os liames desse indivíduo com a sociedade. Em plano estritamente intelectual, Ricardo vinha se preparando para dirigir o Estado há alguns anos, angariando experiência administrativa na Prefeitura de João Pessoa, formulando políticas públicas renovadoras e estudando sistematicamente os problemas da Paraíba. Por outro lado, mais além de pura intelecção, formação – a fonte da virtu – significa também (e principalmente) riqueza de experiência social.
Sem dúvida, Ricardo Coutinho se beneficiou socialmente de três experiências enriquecedoras. Em primeiro lugar, advindo de classe média baixa (mãe costureira e pai lavrador), teve a ventura de estudar em escola pública quando ela ainda exibia um padrão de excelência (anos setenta), infelizmente perdido na geração seguinte. Ainda mais, morou nos anos de infância e adolescência em Jaguaribe, período da floração cultural daquele bairro, que rendeu nossos mais importantes artistas. Depois, participou da UFPB, do movimento estudantil, do sindicalismo, no período de luta final contra o regime militar. Por último, acendeu a condição de parlamentar e prefeito mantendo fortes vínculos com os movimentos sociais originários.
A Paraíba já teve outros surtos de renovação política, que resultou na ascensão de uma nova hegemonia política, um novo bloco histórico de poder. A principal renovação histórica ocorreu em 1930, até porque foi um movimento nacional. Com efeito, as lutas radicais e os enfrentamentos diretos de trinta resultou em sucumbir todas as lideranças políticas da república velha, que desapareceram do mapa para nunca mais voltar.
Inaugurou-se um novo bloco histórico hegemônico (ao mesmo tempo, moderno e conservador) de longa duração, até a década de 1980 de século passado. Falando em nomes, este foi o período, por exemplo, das gerações de José Américo de Almeida, Argemiro de Figueiredo, Ruy Carneiro, Pedro Gondim, João Agripino, Tarcísio Burity, Wilson Braga, Antonio Mariz, Humberto Lucena, Ronaldo Cunha Lima... e José Maranhão, último remanescente.
Ao contrário dos coronéis da Republica Velha, as lideranças do bloco histórico de trinta eram quase todas desenvolvimentistas, adeptas do projeto de construção do capitalismo entre nós. Não se pode dizer – embora compusesse o bloco uma calda radical e de esquerda –, que fossem lideranças democráticas. As práticas oligárquicas migraram do mundo rural para se reproduzir no próprio aparato do Estado. É o que chamo de “estruturas”, irremediavelmente abaladas com a eleição de Ricardo Coutinho.
Mais que uma gangorra de poder ou uma simples troca de guarda de gerações abriu-se na Paraíba a possibilidade de um ciclo histórico novo, enfim, a construção de uma nova hegemonia política, cuja composição do secretariado e as primeiras medidas de governo já dão tom do devir. Mas estas são as páginas seguintes do enredo, a serem escritas com trabalho e lutas, nas quais todos nós, cidadãos, desempenharemos um papel.
Artigo publicado no jornal A UNIÃO, em 02/01/11
Guardadas as devidas proporções, a vitória de Ricardo Coutinho ao cargo de governador da Paraíba produziu uma corrente de expectativas e esperanças comparável a primeira vitória de Lula à presidência do Brasil em 2002, ou mesmo à eleição de Barack Obama nos Estados Unidos em 2008. Desconfiando e muitas vezes descrente com a política e os políticos, raramente os eleitores se dão ao prazer de sorrir contente “da” e “com” a política. A eleição de Ricardo Coutinho é um desses casos.
Logo que começou a campanha eleitoral de 2010, formulei uma simples conjectura explicativa (nada mais que isso) de que a disputa seria entre um candidato da “mensagem” (Ricardo Coutinho) contra o candidato das “estruturas” (José Maranhão). Qual o significado da polaridade?
As estruturas configuram o coeficiente de conservantismo de nosso sistema político, brasileiro e nordestino, um imenso aparelho que inclui prefeitos das cidades pequenas e médias, vereadores, deputados estaduais de bases municipalistas, cabos eleitorais partidários, etc. Raymundo Faoro, no clássico livro “Os donos do poder”, chamou as estruturas por outro nome – o patronato político brasileiro. Em resumo, no que tange à ação política as estruturas agem por diretivas, de cima para baixo, da mesma maneira que um patrão-feitor comanda um escravo desprovido de direitos.
As estruturas detestam as idéias, falando à maneira de Gramsci, o campo intelectual-cultural é uma de suas fragilidades mais conspícuas. Contudo, subsidiariamente, compõe as estruturas um aparato intelectual, um insólito aparato de técnicos, bacharéis, advogados, acadêmicos, jornalistas, etc., incumbidos de difundir um realismo político superficial, expresso no mantra de que “não há alternativa, as estruturas são eleitoralmente imbatíveis”. Trata-se de aderir ou sucumbir.
Aparato fantasmagórico de concreto, por isso mesmo as estruturas são rígidas. Pode-se derrotá-las caso se consiga produzir um movimento de opinião e adesão que vá num crescendo, até virar uma onda gigante. Foi no que perseverou Ricardo Coutinho, aliando, nos termos de Maquiavel, fortuna e virtu: percebeu que as estruturas mais atávicas, patrimonialistas, do sistema político nordestino estão em declínio e de que, mais cedo ou mais tarde, chegaria a hora da Paraíba. / p>
Se quiserem uma experiência ancestral desse movimento renovação política tardia, de longa duração, o símbolo a invocar é a SUDENE de Celso Furtado, na luta algo quixotesca em trazer racionalidade ao Estado e afrontar antigos os latifundiários do algodão e os barões do açúcar. De alguma maneira, só agora começamos, enfim, a completar a obra dos heróis da SUDENE, ou seja, nos desbastamos dos truncamentos à democracia produzidos em 1964.
A fortuna depende da ocasião, da conjuntura, do vento favorável, do acerto no cálculo em dar o bote. Nem sempre o cavalo do poder passa selado. Mas a virtu requer formação política, pois somente munido dela pode-se preparar a própria estratégia, ou, nos termos da cultura pagã dos romanos, revivida por Maquiavel, domar e submeter a fera, a deusa fortuna.
Goethe dividiu a vida de seu personagem Wilhelm Meister em dois romances, Os anos de aprendizado e Os anos de formação. No primeiro, o foco está posto na formação do indivíduo, enquanto o segundo descola esse foco para os liames desse indivíduo com a sociedade. Em plano estritamente intelectual, Ricardo vinha se preparando para dirigir o Estado há alguns anos, angariando experiência administrativa na Prefeitura de João Pessoa, formulando políticas públicas renovadoras e estudando sistematicamente os problemas da Paraíba. Por outro lado, mais além de pura intelecção, formação – a fonte da virtu – significa também (e principalmente) riqueza de experiência social.
Sem dúvida, Ricardo Coutinho se beneficiou socialmente de três experiências enriquecedoras. Em primeiro lugar, advindo de classe média baixa (mãe costureira e pai lavrador), teve a ventura de estudar em escola pública quando ela ainda exibia um padrão de excelência (anos setenta), infelizmente perdido na geração seguinte. Ainda mais, morou nos anos de infância e adolescência em Jaguaribe, período da floração cultural daquele bairro, que rendeu nossos mais importantes artistas. Depois, participou da UFPB, do movimento estudantil, do sindicalismo, no período de luta final contra o regime militar. Por último, acendeu a condição de parlamentar e prefeito mantendo fortes vínculos com os movimentos sociais originários.
A Paraíba já teve outros surtos de renovação política, que resultou na ascensão de uma nova hegemonia política, um novo bloco histórico de poder. A principal renovação histórica ocorreu em 1930, até porque foi um movimento nacional. Com efeito, as lutas radicais e os enfrentamentos diretos de trinta resultou em sucumbir todas as lideranças políticas da república velha, que desapareceram do mapa para nunca mais voltar.
Inaugurou-se um novo bloco histórico hegemônico (ao mesmo tempo, moderno e conservador) de longa duração, até a década de 1980 de século passado. Falando em nomes, este foi o período, por exemplo, das gerações de José Américo de Almeida, Argemiro de Figueiredo, Ruy Carneiro, Pedro Gondim, João Agripino, Tarcísio Burity, Wilson Braga, Antonio Mariz, Humberto Lucena, Ronaldo Cunha Lima... e José Maranhão, último remanescente.
Ao contrário dos coronéis da Republica Velha, as lideranças do bloco histórico de trinta eram quase todas desenvolvimentistas, adeptas do projeto de construção do capitalismo entre nós. Não se pode dizer – embora compusesse o bloco uma calda radical e de esquerda –, que fossem lideranças democráticas. As práticas oligárquicas migraram do mundo rural para se reproduzir no próprio aparato do Estado. É o que chamo de “estruturas”, irremediavelmente abaladas com a eleição de Ricardo Coutinho.
Mais que uma gangorra de poder ou uma simples troca de guarda de gerações abriu-se na Paraíba a possibilidade de um ciclo histórico novo, enfim, a construção de uma nova hegemonia política, cuja composição do secretariado e as primeiras medidas de governo já dão tom do devir. Mas estas são as páginas seguintes do enredo, a serem escritas com trabalho e lutas, nas quais todos nós, cidadãos, desempenharemos um papel.
Comentários