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Mostrando postagens de junho, 2008

Quem sou eu

Depois de alguns meses de blog, ainda não havia preenchido o campo “quem sou eu”. Lá vai: Ecce Homo. Quem sou eu, a pergunta maledicente. Devo ter vários heterônimos que nunca afloraram, pois sou nada demais, um ortônimo torto. Só consigo me reconhecer fora de mim e em relação. É minha forma de “outrar”, no verbo de Fernando Pessoa. Por isso, adoro a esta passagem de Brecht: “eu pensava dentro de outras cabeças; e na sua, outros, além dele, pensavam. Este é o verdadeiro conhecimento." Penso que o sujeito está no interior do objeto e o objeto dentro no sujeito, o homem no interior da natureza e a natureza no interior do homem, sem dualismos nem exterioridades entre corpo e alma. Dessa maneira, enfim creio que seja quem sou através de meus eus em mutação (indivíduo, sociedade e natureza). Pode parecer confuso ou pretensioso. Na realidade, é o cúmulo da humildade: todos nós somos muitos quando somos um. (Jaldes Reis de Meneses).

Máquina digital

Jaldes Reis de Meneses As imagens de hoje não têm negativo, Nem fica preto nem branco, já sai colorido. O álbum de família decomposto em Narciso. Precisaríamos de um fotógrafo antigo, Um lambe-lambe a capturar o olhar perdido. Agora, fito o meu rosto e somente registro. Sinto a ausência de um objeto ativo Entre minha retina e o foco de vidro. Não morri, mas resta dúvida se vivo.

Arte e modernidade, por Antonio Cicero

Recebi do poeta e filósofo Antonio Cicero texto de uma entrevista que ele concedeu recentemente à revista “ Azougue ”, uma bem cuidada publicação carioca dedicada a poesia, ética e estética. Antonio Cicero , ao mesmo tempo em que é um fino poeta – inspirado e repleto de alusões ao repertório da poética clássica e moderna –, e letrista de canções em parceria com Marina, Adriana Calcanhotto , João Bosco e Lulu Santos, trata-se de um erudito filósofo, um ensaísta que polemiza duramente, mas sempre com elegância. O aparato crítico a serviço da suavidade e da sutileza . A temática da entrevista atualiza os objetos de estudo do ensaísta: as questões da modernidade, da poética e das belas artes. Melhor a leitura que perder tempo com meus comentários, apenas observo, visando as pessoas por acaso ainda não habituadas com a démarche teórica do autor, que o interesse da entrevista acode, entre outros, em motivo da atualização do temas abordados no seu mais recente livro, Finalidades sem f

Mensagem de Camões a Pessoa

Jaldes Reis de Meneses Não devo nada a ninguém, meu coração bate por si mesmo. Incerto, carrego as badaladas no ritmo do desassossego, A sincopa cadenciada e ao mesmo tempo apressada do medo. Temo morrer a cada movimento prático, deixo de ser escravo De minha própria covardia somente quando escrevo. A fantasia socorre a quem pede na hora do aperto. Todavia, a fantasia da poesia é como um sonho desperto, Em vez da alegria, o mau agouro do velho de Restelo: Na fala da liberdade é gravado em azulejo o pesadelo.

Felicidade e História Universal

A história mundial não é o solo em que germina a felicidade. Períodos de felicidade são, na história mundial, páginas em branco" G.W.F.Hegel

Poema do Adiamento

Jaldes Reis de Meneses A poesia nasce mais da infelicidade que da felicidade, Mas se acaso formos felizes deixarei de ser poeta? Há uma página em branco, em frente, que desejo preencher: Vejo as multidões se devorando e o dia da carnificina Suspenso no ar para depois de amanhã. Enquanto isso Vivemos – aturdidos, é bom que se diga –, eu, Cida E minhas duas meninas. Eu, Cida, as meninas e todos nós. Ninguém escapa a não ser o inseto rápido pela janela Dentro da noite veloz. Quem é bom e quem é mal Se o meu irmão do peito me abandonou e vai sangrar Em praça pública até morrer? Não agüento A contemplação do mundo, fujo dos lobos, E na outra margem do rio somente encontro máscaras Retilíneas à minha vocação ao disfarce. Adio A hora da verdade o tempo inteiro: chamo o adiamento De felicidade, mas quem duvida?

MPB e Nacional Popular

Jaldes Reis de Meneses. Professor dos Programas de Pós-Graduação em História e Serviço Social (UFPB). Uma pessoa amiga me fez uma pergunta interessante numa recente conversa: por que faço tanto questão de demarcar campo entre as expressões MPB, música popular e música no Brasil. Demarco campo mesmo. São três expressões de origem diversa a partir das quais obtemos resultados analíticos distintos. Hoje, por exemplo, a vertente da MPB parece viver um momento – talvez insuperável – de impasse evolutivo, enquanto a música no Brasil (o somatório de todas as sonoridades) segue arrastando quarteirões, industrializada e capitalizada no Trio Elétrico pop de Ivete Sangalo e na tecno-bossa de Bebel Gilberto e do veterano Marcos Vale (me escuso, no momento, de tecer considerações de valor). Por seu turno, depois de visto a disjuntiva MPB/música no Brasil, música popular vem a ser uma expressão originariamente advinda da quase homônima “cultura popular”, uma expressão criada no bojo do romantismo al

Jamelão

Morreu Jamelão, com noventa e tantos anos. A longevidade ajuda a quem escreve um necrológio (mesmo sucinto), como eu, a buscar inspiração no truísmo de que se foi o último grande de uma geração de cantores brasileiros. Mas, de certo modo, Jamelão foi um deslocado: se nitidamente sua voz buscou inspiração inicial em Orlando Silva, ele era ainda mais arrebatado e sangüíneo, quanto ao repertório, embora, ao mesmo tempo, emocionalmente centrado nas interpretações, em reverência há um tempo em que Dick Farney anunciava - todo profeta ou é da voz ou das tábuas da lei, já notaram? - a chegada revolucionária de João Gilberto. Arrebatado e contido, a dialética técnica do gênio da voz de Jamelão, um cantor brasileiro de big band ; de todo modo, um extemporâneo com a chegada do canto de João Gilberto. A realidade histórica é que Jamelão nunca compôs – ou só compôs episodicamente –, o cast de cantores da Rádio Nacional. Nunca foi um superstar da era do rádio. Voz sofisticada de veludo chegou reta

A quem interessar possa

Um comentário óbvio: Os poemas do blog estão em teste. Nenhum é definitivo. São imagens, algumas fortes, a serem trabalhadas, nenhumas ou algumas poucas procurando métrica e rima (para mim, a melhor poética da modernidade ainda é o verso livre). Prefiro ir a busca dos cistes do discurso e dos grafites urbanos que olho ligeiro a partir do banco traseiro do carro em vez da rima pobre ou da rima rica. Entendo prosa de retórica e poética, todavia as pessoas com as quais compartilho minhas experiências estão soltas no mundo, indivíduos, e não entendem do assunto à maneira dos tempos de Camões. Em um livro de juventude, antes da consolidação da fase marxista, "A teoria do romance", Lukács, logo no começo do texto, faz remissão a sociedades de "totalidade fechada", dando o exemplo clássico da Grécia homérica. Nossa totalidade, ao contrário, é aberta e no mais das vezes fragmentária. Por isso, Walter Benjamin faz menção, com tanta ênfase, ao fenômeno da perda da experiência

Um eco

Ítaca Cida

Cida anti Sila

Jaldes Reis de Meneses O mar só acode o marinheiro depois De conhecer uma mulher em cada porto, As viagens são as esmeraldas de Fausto no cabaré. Faltou a Homero, ocupado com a narrativa da guerra, Cantar o sonho hipnótico de um marujo e uma sereia De pernas belas – uma maior que a outra –, Olhos bonitos, boca carnuda e voz determinada Á qual Ulisses cedeu afinal na alta madrugada. O galo cantou os setes mares das cítaras De Zeus. O poeta abandonou o soneto. O chão da terra estremeceu. Penélope, coitada, Torceu mais uma vez a trama em retalhos. A fugacidade adorna o vício, cada Porto tem um jogo. Apenas o canto Da sereia exige fidelidade. As ondas Do ciclone apagam, a maresia cheira A orvalho. Cida apareceu numa nuvem branca feito Beatriz angelical, depois de vencida a passagem Marítima do círculo do inferno ao paraíso. Ulisses deixou de recordar no espelho O amor que um dia teve, terra longe Nunca mais. Bastava-lhe o enlevo da Eternidade com a Sereia, por isso jogou-se ao mar, E nunca

Obama venceu as primárias

Postei algumas vezes sobre as primárias americanas e previ, incisivamente, a indicação de Obama como candidato do Partido Democrático americano no dia 01 de março. O muro é o abrigo da mediocridade e não vejo graça nos autênticos clones do "Conselheiro Acácio" (personagem famoso de Eça de Queiroz) que são esses jovens meio idiotizados que aparecem na televisão abrigados sob rótulo estranho de "cientista político", fazendo sabedoria ex post facto . Não tenho, é óbvio, bola de cristal nem a minha previsão continha nada de extraordinário. Muita gente detectou a tendência. Republico pela primeira vez uma postagem no blog somente para enfatizar que atiro em várias direções (política, filosofia, história e poesia) e sei dos riscos a correr. Mas tenho algum conhecimento de mira. Em política, Gramsci costumava dizer que só pode prever quem opera. Evidentemente, "prever", neste caso, numa compreensão ampliada da letra gramsciana, não tem a ver somente com a experiê

Poesia e política

"Poesia e política não são demais para um homem só". Frase enunciada pelo professor e escritor Jomard Muniz de Brito, em debate recente na UFPB sobre o maio de 1968, revisitando o manifesto "Por que somos e não somos tropicalistas", 1968, Recife, alterando para melhor a conhecida frase de Paulo Martins (personagem do filme "Terra em Transe", de Glauber Rocha), interpretado por Jardel Filho, no recuado ano de 1967. O homem deve ser poesia e política, por que não? Embora problema complicado, o acesso ou a impossibilidade de uma poética da política tem mobilizado muitos pensadores através dos tempos, desde a crítica de Heródoto a Homero, para quem o poeta exagerava as conquista gregas e faltava com a verdade, até Voltaire, para quem havia uma diferença bem marcada entre história e fábula. Acho que o gesto de Heródoto foi até mais radical que o de Platão em "A República" - a famosa expulsão de poeta da comunidade política ideal -, pois o primeiro his