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Mostrando postagens de março, 2008

Poesia e política

A poesia e a política são demais para um homem só. Paulo Martins, poeta, jornalista e militante político em crise, interpretado por Jardel Filho, em "Terra em transe" (1967), de Glauber Rocha.

Araçá Azul, a bricolagem das referências

Dez minutos de prosa. Escutando "Araçá Azul", de Caetano Veloso, no MP3, entre uma aula e outra. Um disco extraordinário, mas sobre o qual sequer tenho tempo de fazer, agora, um texto mais demorado. Somente quero pontuar o seguinte, depois de uma semana (re)escutando os discos mais antigos de Caetano Veloso, desde o primeiro, o diáfano "Domingo" (1966) até o (pop)vanguardista "Araçá Azul" (1972): o compositor baiano se apresenta quase sempre renovado, mas de uma maneira peculiar: por carregar uma formação cultural (mais que estritamente musical) saturada de referências da cultura de massas do século XX (da bossa nova ao rock), e também da cultura popular do recôncavo baiano (o samba de roda), mais a vanguarda poética, principalmente, ele consegue o feito de fazer desdobrar de muitas das canções pessoais ou das soluções musicais (penso em soluções musicais mais que nos arranjos) feitas nas primeiras gravações elementos que serão repostos e modificados nos n

Baudelaire: autonomia da poesia e diálogo com a filosofia e a ciência

Trecho para guardar e desenvolver mais tarde, meio como um diário. A seu modo, na breve passagem escrita em 1852, postado no final do presente texto, Baudelaire defende a autonomia do poético em face da filosofia e da ciência, porém recusando, no mesmo movimento de afirmação da arte (e da poesia) como "finalidade sem fins" (recordando a fecunda démarche da Kant, na 'Crítica do Juízo'), qualquer posição autista da poesia. Por que cito Baudelaire, quando poderia escolher outros autores? Mais evidente do simples motivo de ser um grande poeta da modernidade, cito o poeta francês porque determinada corrente de críticos recorrem, de maneira equívoca, a Baudelaire afim de interditar a possibilidade de um conhecimento da matéria e das categorias estéticas abrirem caminho à compreensão da obra de arte. Preconizam a possibilidade de escapar das categorias da estética através de uma "leitura imanente" (na verdade, descontado a retórica, menos: uma hermenêutica envergon

Maio/1968

Sexta-feira santa, entre os estudantes de história, vários meus alunos ou ex-alunos, para uma palestra, quase inaugural, porque aguardem a overdose daqui a um mês, no máximo (rede globo, gabeira, “alternativos”, etc.), sobre maio de 68, com ênfase no acontecimento francês, sem dúvida o mais radical de todos. No auditório 412 do CCHLA (XX Encontro Regional dos Estudantes de História), em torno de 70 meninos e meninas de vários estados brasileiros. Adorei. Quem me conhece pessoalmente, sabe de minha timidez, e de como sou avesso a comemorações/louvações de efemérides “alternativas”, de minha má vontade contra as tendências comportamentais da moda. Ou seja, contra quase tudo em que o emblema “68” se transformou. O maio/68 que começará no mês das noivas vindouro vai ser uma espécie de “sessão nostalgia”, mais um revival da cultura de massas. Todas as velhas múmias, de José Dirceu a Daniel Cohn Bendit, participantes do movimento que estar a completar 40 anos, reunirão os descendentes aos pé

Iraque - 5 anos de ocupação americana

O artigo abaixo foi escrito no fogo, há precisos 5 anos, quando da ocupação de tropas militares norte-americanas no Iraque, publicado no portal www.wscom.com.br e depois na revista "Conceitos". Na data mesmo do tétrico aniversário, hoje (19/03) acredito que o artigo continua atual, porque ali estão expostas as vísceras da crise em que o governo Bush, principalmente, afogou a economia e a política dos Estados Unidos. Em um eventual novo artigo, não há retificação a fazer: minha visada estratégica estava correta, podendo ser retificado, é claro, um ou outro elemento pontual (seria mais comedido na análise positiva que fiz do “multiculturalismo", por exemplo). Contudo, acertei no essencial, qual seja: as dificuldades, por dentro, na sociedade americana, e por fora, no espaço mundial, do projeto imperial neoconservador, de feição romana. Visto de hoje, com as bolsas derretendo e o retorno da política de massas nos Estados Unidos (cujo principal índice é a alta intensidade d

Carnaval

Na passagem da semana santa, carnaval. Trata-se dos primeiros trechos de um poema que já tem trama, enredo, mas não tem ainda os versos nem a forma final definitiva. Publico no blog porque a internet é essencialmente um espaço de troca de tralhas, ao passo que talvez o livro configura um estágio mais acabado da obra (mesmo assim, qualquer obra de arte não tem fim, o ponto final é somente o momento em que nos liberamos formalmente da “coisa”. Talvez seja precisamente este momento de liberação parcial e formal da "coisa" aquilo que Aristóteles chama de catarse, donde a coisa nunca se completa e a catarse não tem fim, constituindo uma espécie de eterna repetição. Será?) 1)Invocamos numa oração: Às flores do Cafuçu, feito O Frevo escorregadio, maneiro, Das notas altas de Vassourinha Descendo as ladeiras de Olinda. Às Flautas pagãs de uma Evocação: Chama o teu deus da dança mágica, Cava a direta claridade qual O céu evanescente da montanha. Às cores tortas de um Anjo Azul Quase da

Aracy de Almeida, domingo, samba da mais-valia absoluta

Domingo escutando Aracy de Almeida, a maior das cantoras da época do rádio. A maior. Sequer porque tivesse a voz possante - uma Carlos Gardel ou um Chico Alves de saias - mas porque, embora de voz nem tão possante, sem exageros melodramáticos, Aracy tinha uma dicção límpida. Em suas gravações a voz não precisava sair a gritar para se impor aos instrumentos (adiantando João Gilberto, que sem dúvida escutou a exaustão as lições de Aracy). Desempenho raro em cantoras antigas, entende-se palavra por palavra do que Aracy canta. Tudo perfeito. Morena mulata, Aracy era linda. A mim impressiona como ficou feia, masculina no júri de Sílvio Santos. Que mais gosto de Aracy? Tanta coisa, "Camisa Amarela" (Ary Barroso) em sua melhor gravação, Noel, fantástico (de "Último Desejo" a "Século do Progresso", o progresso da arma de fogo a igualar o poder de destruição do malandro e do cidadão comum, no olhar dessacralizador de mitos de Noel Rosa, antes de Chico Buarque, o po

Dia Triunfal

Há também um outro 8 de março, de que quero falar: em Lisboa, o poeta Fernando Pessoa teve uma espécie de transe, começou a escrever febrilmente poemas e mais poemas de único jato. 38 poemas num único dia, vários entre os principais da obra do autor. No dia 8 de março de 1914 vêm à luz os principais heterônimos de Pessoa: Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos. O poeta afirma que experiência se passou como se fosse independente dele, “foi o dia triunfal de minha vida, e nunca poderei ter outro dia assim (...) eu vejo diante de mim, no espaço incolor mas real do sonho, as caras, os gestos de Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos. Construí-lhes as idades e as vidas.” Brindemos sempre, na eternidade finita do humano, ao trabalho de demiurgo de Fernando Pessoa – o pai solitário. Uma das possibilidades do sublime em arte reside precisamente na capacidade de criar vida além da natureza. O transe ocorre quando menos esperamos. (Jaldes Reis de Meneses)

Colômbia

Jaldes Reis de Meneses. Professor do Programa de Pós-Graduação em História da UFPB. De repente, por dois motivos combinados, mais ou menos há um ano, a Colômbia passou a ocupar com destaque todas as manchetes do noticiário internacional e a ser motivo de interesse (e sobressalto) da opinião pública brasileira: a drástica redução dos índices de criminalidade, em Medellín, e as negociações de troca de reféns das FARCs (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) com a mediação do polêmico presidente Hugo Chavéz, principalmente o caso rumoroso de Ingrid Betancourt, senadora, ex-candidata a Presidente e (faz toda a diferença) cidadã francesa. Embora não seja o motivo central deste artigo, cabe o comentário de que se trata de engano confundir a redução das taxas de homicídio em Medellín e a urbanização de favelas (objeto das visitas de conhecidos políticos brasileiros, como Sérgio Cabral e Aécio Neves, em 2007) com uma eventual redução da Colômbia no tráfico internacional de cocaína. Pois b

Cuba e Haiti

Escrevi aqui no blog e na coluna do wscom (19/02/08): "Existe, por seu turno, digamos, a “alternativa Haiti”, e o que quero conjecturar com isso? Uma guerra civil, fratricida, descontrolada, das forças políticas em contenda, desde o PC até a migração aquartelada em Miami, travada em termos de África Central e Subsaariana, levando ao final da guerra sem quartel à desorganização da sociedade cubana. As pessoas se espantam quando menciono a esta hipótese, nem sei bem o motivo. É difícil Cuba fazer às vezes do Haiti, mas se dizia algo parecido sobre a Alemanha antes da ascensão do nazismo, ou que o conflito étnico e religioso havia desaparecido na Europa antes do episódio de retorno à guerra entre a Sérvia e a Bósnia (ocorrido depois da fragmentação da Iugoslávia de Tito, começo dos anos 90)." Escreve o sociólogo Emir Sader, na revista semanal "Carta Capital" (27/02/08): "Mas não se coloca a hipótese de acabar com o regime socialista. Até porque, para os cubanos,

Lula e o Poder Judiciário

As declarações recentes de Lula em Aracaju (SE), dirigidas contra o ministro presidente do TSE (Marco Aurélio Mello, um antigo desafeto do governo) devem ser interpretadas como um movimento de olho nas eleições presidenciais de 2010. Em posição de força, bafejado pelas pesquisas de opinião e o crescimento econômico, Lula quis confrontar tanto o PSDB como os bolsões de resistência às ações do executivo incrustadas no poder judiciário. O discurso foi de improviso, a repercussão de caso pensado. No post de 18 de fevereiro mencionei uma tendência ou bonapartista no tipo de liderança exercida por Lula. As declarações somente confirmam minha tese, principalmente no trecho em que o presidente revelou como concebe as relações entres os três poderes. Na opinião de Lula, cada macaco em seu galho, cuidando de administrar suas bananas. O presidente não aprecia Montesquieu, no que é sagaz e fiel ao estilo, pois o nobre jurista do iluminismo francês, incomodado com os poderes concentrados de Luis XI

Lula e Dilma

Escrevi no Blog (18/02/08), antecipando em duas semanas o que começa a circular na imprensa: "Para mim, sobretudo, há uma pequena novidade nas simulações da eleição presidencial de 2010: Serra continua na frente e Ciro mantém o segundo lugar, seguido de Heloísa Helena, mas Dilma Roussef aparece com 4,5%. Pode parecer irrisório, mas somando os percentuais de Ciro, Heloísa e Dilma, parece que o quadro sucessório encaminhar-se-á, talvez, para um segundo turno, afetando o favoritismo de Serra. Miragem. Não, caso avaliarmos à sério a incapacidade da oposição em formular uma alternativa programática crível ao governo Lula, mesmo no item combate à corrupção. Aécio Neves? Faltou considerar o papel do governador de Minas. Não faltará oportunidade. Bem, Aécio não é candidato de oposição, mas de um grande acordo com o governo..." Revista Veja (01/03/08): " O Presidente acha que sua popularidade, caso se matenha alta até as eleições, já garantiria ao menos a presença no segundo turn

Barack Obama

Não é mais surpresa pra ninguém: Obama, uma espécie de Lula nas condições americanas, deve vencer Hillary, nas primárias do dia 04 (terça-feira), sendo ungido candidato do Partido Democrático. E leva a crer – ainda não é certo – que será o primeiro presidente negro dos Estados Unidos da América. Acho bobagem o cálculo republicano de que é mais fácil enfrentar Obama. Nada. Ledo e ivo engano (esse poeta alagoano cheio de onda, rsss, onda?). Onda prá valer é Obama. O homem é onda, símbolo, movimento represado lá atrás. Movimento de sociedade mais que partidário. Uma onda que cresce e ainda não se esgotou. No que vai resultar a onda, eis a questão. Barack Obama é, ao seu modo inédito, um quadro da elite norte-americana. Por outro lado, muitos de seus apoios discrepam da elite (aliás, bastante interessante a nada discreta piscada de olhos de Hugo Chavéz a Obama), ou seja, há em torno da figura de Obama expectativas mil que ele não controla. Sequer escrevo coisa nova, nem quero sugerir uma e