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Mostrando postagens de 2016

Política e Tragédia

A política é uma atividade eminentemente trágica. Em anos de convivência com políticos, aprendi que poucos percebem ou sabem lidar a seu favor com esta grande - talvez a mais importante de todas - questão humana. Na teoria política, a não um punhado seleto de autores, se bem lidos, ajudam na elucidação deste enigma. Há um grande silêncio a respeito. Saber que a política é uma atividade trágica, aliás, vem a ser o mais forte dos argumentos em defesa da alternância de poder. Mas quem quer saber? Entenderam?

Tópicos para 2017

Previsões de 2017: 1) A preço de hoje, a principal aposta da elite dominante é persistir tapando os buracos da pinguela e segurar o andor do caixão do governo Temer, se possível, até 2018. Mas o roteiro pode mudar, até rapidamente, no decurso de 2017. 2) Ainda não se sabe direito o que fazer da candidatura de Lula, embora os instrumentos de criminalização e impedimento estejam postos. Mais que postos, azeitados. A questão é que, contraditoriamente, a candidatura de Lula mantém um índice mínimo de legitimidade do sistema político. Por seu turno, o impedimento eleva à potência máxima a deslegitimação do mesmo sistema político. ------- Desistam financistas, rentistas e tucanos: a proposta de eleições indiretas orbita num grande vazio. Não existe do bloco no poder, hoje, uma única liderança com o mínimo de legitimidade de encarar este cálice envenenado. FHC, previdente, já percebeu o vazio.  Ninguém entre os tucanos ou aliados no bloco dominante se credenciou a desempen

Mais vale o que será

Teses para aprofundamento: 1) Estão se encerrando dois ciclos históricos combinados, o da constituição de 1988, bem como o "ganha-ganha" policlassista do lulismo originário, possibilitado pela lealdade de todas as forças políticas - mesmo as de oposição - ao terreno comum da atual constituição, não por acaso muito conhecida como "cidadã". É preciso nos prepararmos para o florescimento de um novo período histórico, certamente mais radicalizado e de deslealdade à letra do pacto da lei; 2) É importantíssimo defender e entender o legado contraditório dos governos de Lula e Dilma. Contudo, a nova agregação potencial das massas virá mais, de imediato, de um programa de combate concreto às reformas da previdência, trabalhista e do Estado, entre outras do governo Temer, em intrínseca combinação com a defesa intransigente da democracia contra os retrocessos. Mais vale o que será. Caio Prado Jr., em "A revolução Brasileira", defendeu um programa de reivindi

Em busca do comunismo (1)

Jaldes Meneses O que é a alienação política? Nada menos do que o fenômeno societário da dilaceração e fragmentação esquizofrênica do indivíduo concreto de carne e osso entre o bourgeois (o indivíduo burguês egoísta da sociedade civil) e o citoyen (o cidadão virtuoso da esfera pública estatal), numa sofística que não é pessoal, mas do próprio Estado político. Como todos os leitores de Marx estão cansados de saber, ele estava querendo fazer a "crítica da política" contemporânea, no sentido de que a política migrou da sociedade civil e se equidistou expropriada e soberba no Estado, e seu aparato de instituições "frias" e burocráticas, distantes do infeliz (espiritualmente) indivíduo mônada habitante da sociedade civil burguesa. Desta maneira, num fenômeno de "ilusão jurídica", a esfera pública burguesa foi desenvolvida baseada na identidade fictícia das pessoas privadas reunidas num público em seus duplos papéis, convergentes mas incongruentes, de prop

Falácias de Pondé

JaldesMeneses  O reverso do que nós pensamos nos atrai - os que gostam de pensar, é claro -, com ele (o reverso) devemos criar o saudável hábito de estabelecer diálogo. Decifrar a esfinge antes que ela, jibóia, nos engula. Embora discorde, no mais das vezes, costumo prestar atenção à coluna do teólogo e filósofo Luiz Felipe Pondé às segundas feiras no site do jornal Folha de S. Paulo. A escrita conservadora (esta a palavra exata) do autor é cortante a despertar quase sempre o meu fascínio, mesmo que montada sob o chão de uma espécie (irrefletida e involuntária) de fraude histórica e retórica monumental: a idéia de que o pensamento conservador moderno instaurou a dúvida metódica contra as pseudo "certezas" do iluminismo. Sucede que no plano da história ocorreu exatamente o inverso: a dúvida é que é iluminista contra as certezas da tradição conservadora. O pensamento conservador moderno surge (séculos XVIII-XIX) na polêmica, pela polêmica e para a polêmica. A simples

Iluminismo e individualismo moderno

Jaldes Meneses Fiz ver no artigo da semana passada que a moral emergente da cultura iluminista não se tratava de um artifício de certos intelectuais descontentes: estava em causa a fundamentação filosófica de um processo social de enorme escopo, a emersão de uma figura histórica nova – o indivíduo moderno –, que não era uma criação artificial, mas o ponto de chegada de elementos que já despontavam desde muito na cultura ocidental e na religião monoteísta cristã, rompendo o cerco de dominância da vertente organicista e escolástica de compreensão da sociedade, hegemônica durante a medievalidade.  Já na doutrina teológica medieval da "responsabilidade da fé”, encontramos a estrutura dura do individualismo, depois dessacralizada, mas mantida encapuzada, pela tradição iluminista. Só assim podemos entender o alcance profundo das filosofias seculares do direito natural e do contrato social dos séculos XVI, XVII e XVIII (Althusius, Pufendorf, Espinosa, Hobbes, Locke, Rousseau, Kan

Para um balanço do iluminismo

Jaldes Meneses De onde provém a força societária irresistível, profana, dos Direitos do Homem? A que ethos social atendeu a sua positivação histórica? Para responder, precisamos recorrer a história social do iluminismo europeu e a autêntica reforma intelectual e moral que seus ideais promoveram, antecedendo o processo político das revoluções burguesas. Escreve Gramsci, um de meus autores de cabeceira: "toda revolução foi precedida por um intenso e continuado trabalho de crítica, de penetração cultural, de impregnação de idéias em agregados de homens que eram inicialmente refratários e que só pensavam em resolver por si mesmos, dia a dia, hora a hora, seus próprios problemas econômicos e políticos, sem vínculos de solidariedade com os que se encontravam na mesma situação. O (...) exemplo mais próximo de nós (...) é o da Revolução Francesa. O período cultural que a antecedeu, chamado de iluminismo, tão difamado pelos críticos superficiais da razão teórica, não foi de modo

A denegação do golpe

Jaldes Meneses Uma das notas mais instrutivas sobre a política contemporânea dos “Cadernos do Cárcere” de Gramsci encontra-se no Caderno 13, sobre Maquiavel, na qual ele chama a atenção que toda assembléia parlamentar - acrescentaria eu, mesmo sob a égide do assim chamado "Estado Democrático de Direito” - trabalha internamente com algum grau, máximo ou mínimo, de cesarismo. Sei que a expressão cesarismo escapa ao leitor comum sem uma, por assim dizer, “nota técnica”. Obviamente, a expressão remete à história antiga da República Romana, à liderança em circuito fechado, seja por carisma ou controle da assembleia parlamentar, que César exercia sobre seus pares. O cesarismo trata-se da ossatura do golpe parlamentar. O genial filósofo político comunista buscava explicar as condições de ascensão de Mussolini e do fascismo na Itália (poderia acrescentar que o nazismo subiu ao poder em configuração semelhante). É pouco conhecido e refletido o fato de Mussolini (nem Hitler) não ter che

O “espírito” de 1964

Jaldes Meneses Toda história da cultura é também uma história da barbárie. Walter Benjamin   Como abordar o golpe militar de 31 de março (ou primeiro de abril) de 1964, 52 anos passados e neste Brasil em transe assombrado com o retorno truculento dos recalques que pareciam esquecidos na  lata de lixo da história ? Para tanto, requisita adentrar às camadas profundas dos  círculos  de um inferno dantesco.   Em sua bela biografia de Napoleão, publicada logo após o fim da Restauração francesa (a sequência de 15 anos de último retorno da dinastia dos Bourbons, na qual ficou evidente a quimera do projeto conservador de retorno do antigo regime), Stendhal faz uma observação decisiva para quem pretenda escrever a história de seu próprio tempo: o escriba vai se meter em exumar os companheiros de geração, as promessas que se dissiparam e os fracassos que ficaram feito cicatrizes, mas principalmente as viragens. O romancista anota que os homens que foram no passado os antigos radicais

A violência dos Mansos

J aldes Meneses   Na manhã em que escrevo esta coluna lá fora o Brasil está em transe: está em curso, e é preciso que se denuncie sem meias palavras, uma tentativa de golpe de Estado de escancarado conteúdo bonapartista (Sérgio Moro) e midiático (Rede Globo). O objetivo é atear fogo em Roma. O clima de histeria coletivo é tão áspero que são divulgadas conversas privadas, quando todos nós - quem atira a primeira pedra? - relaxamos as cautelas de linguagem, como se fosse crime de Lesa Pátria. Gostaria de escutar as gravações privadas do juiz Sérgio Moro no comando da Lava Jato. Pouco me importa se circunstancialmente o golpe angarie apoio majoritário, se expressa a voz irracional de ativistas nas ruas ou penas sanguinárias na internet, no fundo da alma movidos pelo ressentimento. Não importa se o golpe tenha o apoio de profissionais liberais de renda elevada, intelectuais liberais (nossos liberais apoiaram todos os golpes da história brasileira, sem exceção) e até pessoas mansas de

O inferno somos nós

Jaldes Meneses “Somos conformistas de algum conformismo, somos sempre homem-massa ou homens-coletivos. O problema é o seguinte: qual o tipo histórico de conformismo, de homem-massa do qual fazemos parte? (…) Criticar a própria concepção de mundo, portanto, significa torná-la unitária e coerente e elevá-la até o ponto atingido pelo pensamento mundial mais evoluído.”    ANTONIO GRAMSCI, Cadernos do Cárcere 11 (1932-1933 ) Mistura nova de Babel de afetos de amizade e tribuna política, as redes sociais, exatamente por isso, podem ter, entre mil e uma utilidades, a serventia de funcionar como uma espécie de rico laboratório a quem se dispor a realizar um estudo sério do discurso como crítica à ideologia. Existe atualmente uma corrente da crítica social neomarxista bastante festejada do conceito de ideologia na qual, pelo lado da esquerda acadêmica, o superstar absoluto é o bufão esloveno Slavoj Zizek. No caso específico de Zizek, a salada servida mistura mais Hegel e Lacan e menos

Marx: as formas da política

Jaldes Meneses O antropólogo estruturalista Claude Lévi-Strauss, um intelectual de apurado senso de observação, costumava dizer que quando lhe faltava a inspiração de escrever, ele punha-se a ler “O 18 de Brumário de Luís Bonaparte”, a obra-prima política e literária de Karl Marx. Trata-se, sem dúvida, de uma obra excepcional, um clássico insuperável de teoria política de extraordinária força imaginativa. No texto, Marx descreve, em pena nervosa no galope dos acontecimentos, o processo político na França em uma época aguda de crise política.   O galope dos acontecimentos é condensado no intervalo entre a revolução de 1848 - quando o povo de Paris derruba, em barricadas nas ruas, o reinado burguês de Luis Felipe, de origem na aristocrática dinastia de Orleans e que se transforma, no exercício do poder de Estado, em um títere da fração financista da burguesia -, até o golpe de Estado de 1851, perpetrado por um aventureiro de pouca intimidade com a Nação, que falava francês com sota

O destino bate à porta

Jaldes Meneses No dia em que a presidente eleita Dilma Rousseff tomou posse no primeiro mandato (01/01/11), sucedendo Lula na condição de ungida do Rei consagrada pela vontade popular, escrevi para a revista Nordeste um artigo de previsão chamado “A transição suave”, no qual sugeria a possibilidade de haver dois destinos de Estado à nova presidente. Parafraseando Maquiavel, se a Deusa da Fortuna - depois do sofrimento da tortura na ditadura - não faltou ao encontro com Dilma, a verdadeira prova dos nove seria o desafio de virtu na direção de um Estado. Até brinquei, o destino de Dilma seria dobrar a aposta do Lulismo (André Singer exagerava em otimismo, prevendo um novo “alinhamento político” que pudesse resultar num New Deal brasileiro deslocado no tempo e no espaço) ou se transformar numa espécie, certamente mais simpática e charmosa, de “General Dutra de saias”. Fui o primeiro a prever, em janeiro do ano passado, que 2015 seriam um daqueles anos que nunca terminam. Não quero

Dinheiro Falso

(Crítica do Filme "A Grande Aposta", dirigido por Adam Mckay e baseado no romance histórico de Michael Lewis) Jaldes Meneses "A grande aposta”, título do filme em português do filme concorrente ao Oscar diz pouco, mas The big short, o título original, diz tudo, remete ao nome de uma operação facínora e de alto risco, rotineira no mercado financeiro globalizado. Trata-se do seguinte. Baseados na percepção - correta - de que o mercado vive um momento irracional de escalada de especulação desenfreada em torno da cotação de um ativo (no caso da crise de 2008, as hipotecas imobiliárias do mercado americano, da mesma maneira que no século XVI foram as tulipas do mercado holandês), um grupo de corretores, no filme um sem relação com outro, resolvem bancar uma aposta na contracorrente. Ou seja, os espertos consignam nas contas dos investidores das respectivas corretoras que administram a compra dos títulos imobiliários na alta, mas não são bobos de comprá-las. A conta

Os inimputáveis

Jaldes Meneses Desde os idos tempos da crise do “mensalão", e agora no “petrolão", duas narrativas antagônicas disputam espaço na opinião púbica brasileira, cada uma das quais visando prevalecer, na cabeça de Bart Simpson, como a versão totalizante de justaposição dos fatos. A primeira versão, predominante, que começou a ser difundida na cobertura por jornalistas ligados ao PSDB, e pode-se dizer, até hoje, majoritária, afirma que ambos os casos de corrupção (o mensalão e o petrolão) significaram um salto de qualidade. Antes, diz-se, a corrupção era individual e não tinha um comando centralizado no vértice do aparelho de Estado, o que é uma evidente mentira. Nestes dois casos recentes de corrupção, afirma-se, em vez de individual, o comando localiza-se no próprio centro e se irradia para as margens. Pretende beneficiar um projeto de poder, nesta versão, autoritária, de hegemonia de um determinado partido - o PT. Esses esgrimistas das ideias são lobos em pele de corde