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Mostrando postagens de 2014

A história se abriu em Cuba

Jaldes Meneses email: jaldesm@uol.com.br A partir da semana passada, a história do século XXI começou a se abrir em Cuba. Nunca defendi Cuba com base no pobre argumento, às vezes sincero, outras vezes hipócrita, do escritor Fernando Morais, repetido ad nauseam por outros defensores: aquele que ao contrário dos demais países latino-americanos, toda noite as crianças vão dormir bem-alimentadas e agasalhadas na Ilha. Repórteres e biógrafos dificilmente conhecem Marx - um autor muito citado, pouco lido e menos entendido ainda, até por marxistas.  A gente não quer só comida, versejava Arnaldo Antunes em meus tempos de juventude perdida. Em Marx, ao contrário do que se pensa o marxismo vulgar, o grande valor da sociedade regulada (a bela expressão de Gramsci para designar o comunismo) é a liberdade e não a igualdade. Quem se der à pachorra de ler com atenção a “Crítica ao programa de Gotha”, uma obra clássica para entender o socialismo e o comunismo em Marx, perceberá que o no

O neoliberalismo de Dilma

Jaldes Meneses email: jaldesm@uol.com.br Não adianta dourar a pílula: o programa econômico do segundo governo Dilma, sob o comando do ministro Joaquim Levy (cortes de gastos e investimentos públicos, aumento da arrecadação, política antiinflacionária baseada em juros altos, etc.), será neoliberal, tanto quanto foi neoliberal a administração de Antonio Palocci e Henrique Meireles na primeira fase do governo Lula (2003-2005). Certamente, nos casos de Dilma e Lula, o neoliberalismo vem a ser mais de necessidade que de convicção.  Parece paradoxal, um país que amanheceu das urnas tão dividido politicamente entre esquerda e direita - Maria do Rosário e Jair Bolsonaro, Comissão da Verdade e Saudosos da Ditadura -, mas economicamente nem tanto: caso tivesse sido eleito, as medidas de política econômica de Aécio Neves seriam idênticas - repito: idênticas - às de Dilma. Joaquim Levy e Armínio Fraga são as faces do mesmo segredo de polichinelo. Companheiros de causa e geração, fre

Todos sabem

Jaldes Meneses email: jaldesm@uol.com.br Nos tempos da construção de Brasília e da bossa nova havia um ditado popular que dizia assim: ou o Brasil acabava com a saúva e a corrupção ou a corrupção e a saúva acabavam com o Brasil. A saúva desapareceu e a corrupção cresceu na escala dos milhões para os bilhões. Antes de tudo, é preciso separar o joio do trigo. Saber que são pelo menos duas as corrupções existentes brasileiras - a antiga e a nova.  A antiga corrupção patrimonialista começou no pedido de emprego que Caminha encomendou ao Rei D. Manuel de Portugal ao comunicar a descoberta da Ilha de Vera Cruz. Passou incólume pela sociabilidade de “favores” da Corte imperial. Percorreu sem-vergonha a República Velha, a Era Vargas, a Ditadura, a Nova República, o tucanato e o lulismo. E resiste, senil, nas estruturas municipalistas vigentes, que mercadejam as prestações federais do FPM até o pequeno tráfico de influências. No entanto, existe também a nova corrupção, capita

Sob o signo de Celso Furtado

Artigo publicado no jornal A UNIÃO de hoje (09/12), alusivo à reunião dos governadores do Nordeste em João Pessoa (PB) Jaldes Meneses Está longe de ser um veredicto hiperbólico considerar a reunião de governadores eleitos do nordeste, realizada hoje em João Pessoa, de acontecimento histórico. Vale à pena recordar que primeira grande articulação desenvolvimentista de governadores do nordeste deu-se em 1958, sob os auspícios do paraibano Celso Furtado. Lê-se nas páginas do segundo volume livro de memórias de Celso, “A fantasia desfeita”, a navegação venturosa de quando e como ele imaginou a SUDENE e encontrou sérias resistências nas oligarquias regionais. Essas oligarquias atadas ao passado eram poderosas, dominavam a representação política das bancadas federais e de senadores do Congresso Nacional, quase toda disposta a apresentar o veto à criação da SUDENE. Por outro lado, foi exatamente a partir do apoio dos governadores e, por incrível que pareça, da colaboração da i

De estelionatos eleitorais

Republico  neste blog o meu artigo de estréia  de coluna  semanal  na seção de Política do Jornal AUNIÃO Jaldes Menese s À exceção do chamamento extraordinário de Sir Winston Churchill, feito no fogo da Segunda Guerra Mundial, quando os aviões alemães bombardeavam Londres, de que só tinha a oferecer ao povo britânico sangue, suor e lágrimas, os políticos em campanha quase sempre prometem o paraíso na terra. Eleição nunca vai deixar de conter uma dose de escapismo. Até certo ponto, toda eleição é um estelionato eleitoral. Ninguém aguenta viver em regime de tempo integral no mundo sem simbolizar ilusões antes dos outros, a si mesmo - ah, os militantes! O problema é passar de remédio a veneno. Nesta sexta-feira, quando tenho o prazer de estrear uma coluna semanal de política em A UNIÃO, o mais importante acontecimento de ontem, terá sido o anúncio oficial, pela presidente Dilma, da nova equipe econômica. Economia realmente não é uma ciência neutra como também contraditória. A

A trama inescapável da ideologia. Ideologia prática e ideologia crítica

(Trechos de um texto mais longo, escrito por mim, sobre a "questão da ideologia". Pode-se citar à vontade, desde que concedido o devido crédito à fonte). Jaldes Meneses Somos conformistas de algum conformismo, somos sempre homem-massa ou homens-coletivos. O problema é o seguinte: qual o tipo histórico de conformismo, de homem-massa do qual fazemos parte?  (…) Criticar a própria concepção de mundo, portanto, significa torná-la unitária e coerente e elevá-la até o ponto atingido pelo pensamento mundial mais evoluído.  ANTONIO GRAMSCI, Cadernos do Cárcere  11 (1932-1933 )     Mistura nova de Babel de afetos de amizade e tribuna política, as redes sociais, exatamente por isso, podem ter, entre mil e uma utilidades, a serventia de funcionar como uma espécie de rico laboratório a quem se dispor a realizar um estudo sério do discurso como crítica à ideologia. Existe atualmente uma corrente da crítica social neomarxista bastante festejada do conceito de ideologia

AS “DENÚNCIAS” DA VEJA E O “TERCEIRO TURNO”

Jaldes Meneses Acabei de ler somente hoje, sábado, a matéria da revista Veja com as acusações do doleiro Alberto Youssef a Lula e Dilma. Comprei logo cedo e era o último exemplar disponível na Banca. Perguntaram-me ontem num programa de rádio se a denúncia poderia mudar o vento de favoritismo à Dilma nesta resta final de campanha. Disse ontem e repito: não creio que essas denúncias mudem intenção de voto, mas elas deveriam   ser vistas como uma espécie de “plataforma casada” com o debate da Rede Globo de ontem, por isso a revista saiu com um dia de antecedência e a capa já circulada na internet desde quinta-feira. Quem assistiu o debate de ontem já sabe muito bem que, embora Aécio tenha feito a pergunta, não me parece que ela tenha provocado impacto maior, se perdeu na miríade de temas do debate, uma espécie de jogo de cabra cega no qual a conhecida deficiência de fluência verbal de Dilma não se saiu pior que a evidência dos sintomas nervosos de Aécio. Portanto, a “bala de prata”

Os olhos de ressaca de Valério Arcary

Jaldes Meneses Leio numa declaração de Valério Arcary, dirigente do PSTU, de desacordo ao apelo, dirigido aos partidos à esquerda do PT, de “voto útil” em Dilma, que é “preciso combater a perigosa ilusão” de que é possível regular o capitalismo. O apelo ao voto útil vem dando certo, tanto que dos cinco deputados federais eleitos pelo PSOL, quatro já declararam o voto em Dilma. Repito: é-se possível regular o capitalismo? Veja-se, a pergunta de Valério, ... matreiramente, não é a principal, que viso responder aqui topicamente – “é-se possível regular o capitalismo?” –, mas uma derivação – “é preciso combater a perigosa ilusão de que é possível regular o capitalismo”. Sempre é melhor responder a   p ergunta principal e daí partir para elucidar as questões derivadas. Evidentemente, Valério sabe muito bem que, até certo ponto, sim, é-se possível regular as forças indomáveis do capitalismo, embora essa regulação seja sempre historicamente situada e determinada, além estruturalmente limit

Entre junho e outubro (1)

Jaldes Meneses Mistura nova de Babel de afetos de amizade e tribuna política, as redes sociais, exatamente por isso, podem ter, entre mil e uma utilidades, a serventia de funcionar como uma espécie de rico laboratório a quem se dispor à realizarum estudo sério do discurso como crítica à ideologia. A propósito, nunca esteve tão atual a conhecida frase de Marx de que “o ser social determina a consciência social”. A frase de Marx parece óbvia e ululante. Não é. Uma das características do mecanismo da ideologia, ao qual ninguém escapa é produzir um efeito de falso distanciamento entre os nossos valores e julgamentos, tidos por nós mesmos como de luz e verdade, advindos de uma fina consciência social crítica – a nossa, pois nunca erramos e sempre estamos certos –, e os valores e julgamentos de nossos antagonistas, tidos como de trevas e mentiras, todas elas advindas do charco de lama e falsa consciência chamado – os “outros”. Sejamos brutos ou refinados, doutores da Universidade ou

O novo neoliberalismo de Aécio Neves

Escrevi este artigo sobre Aécio Neves em maio, ainda no começo da campanha eleitoral. Ele está mais atual que nunca, por isso faço questão de postá-lo novamente. Quero abrir mais um debate e ser mais profícuo na escrita neste segundo turno: O novo neoliberalismo de Aécio Neves Jaldes Meneses             Há muita confusão relativa ao verdadeiro sentido da expressão neoliberalismo. Originalmente, sem dúvida, a expressão remete à agregação de intelectuais – principalmente Hayek e Von Mises, os economistas do grupo – que se reunia, no período depois da segunda guerra, nos seminários da Sociedade de Mont Pèlerin, na mesma região montanhosa e gelada dos Alpes Suiços cenário do mais célebre romance de Thomas Mann – A Montanha Mágica –, e próximo aonde se realizam os encontros anuais de Davos, que reúne a nata dos gestores do capitalismo mundial. O programa da Think Tank de Mont Pèlerin, a partir dos valores de defesa de uma sociedade aberta de mercado, sem arrodeios era muit

Ricardo Coutinho: por uma nova hegemonia política

Publiquei o artigo abaixo na edição do jornal A UNIÃO de 02 de janeiro de 20011, no dia seguinte à posse do governador Ricardo Coutinho. Pretendo escrever até o dia a eleição, outros artigos mais analíticos sobre o processo eleitoral paraibano, abordando temas como as persistências e as mutações das oligarquias, o papel das esquerdas, as pesquisas eleitorais e a vontade popular, entre outros. Achei que nada melhor que começar a série reeditando o velho escrito de 20011. Ricardo Coutinho: por uma nova hegemonia política Jaldes Meneses Artigo publicado no jornal A UNIÃO, em 02/01/11 Guardadas as devidas proporções, a vitória de Ricardo Coutinho ao cargo de governador da Paraíba produziu uma corrente de expectativas e esperanças comparável a primeira vitória de Lula à presidência do Brasil em 2002, ou mesmo à eleição de Barack Obama nos Estados Unidos em 2008. Desconfiando e muitas vezes descrente com a política e os políticos, raramente os eleitores se dão ao prazer de sorr

Quixotesco e maquiavélico

Fiz este pequeno texto, “ Quixotesco e maquiavélico”, a Guisa de Apresentação do vigésimo número da Revista Conceitos, cujo conteúdo completo em PDF pode ser acessado no link http://www.adufpb.org.br/site/wp-content/uploads/2014/09/REVISTA-CONCEITOS-20-2.pdf : Quixotesco e maquiavélico Jaldes Meneses “Pois se observa no Evangelho que, curando Cristo de todos os gêneros de enfermidades e ressuscitando todos os mortos, a nenhum doido sarou”. Padre Antônio Vieira.             Aconteceu com as obras mais conhecidas de Nicolau Maquiavel e Miguel de Cervantes – “O príncipe” e “Dom Quixote” –, os criadores da teoria política e do romance modernos na distância dos dois fabulosos séculos de nascimento da modernidade ocidental, respectivamente 1513 e 1605 –, o fenômeno de se tornarem tão populares que viraram adjetivos. Maquiavélico tornou-se sinônimo de pessoa astuta e diabólica na luta pela conquista do poder, na qual não interessam quais os meios de alcançar determinado fim, enq

2015: a crise está chegando

Jaldes Meneses Qualquer um dos três candidatos que porventura vença as eleições, Dilma, Marina ou Aécio, por ordem de favoritismo, a partir de 2015, o tipo de governabilidade conquistada à duras penas nas eras de FHC e Lula (o governo Dilma, a Gal. Dutra de saias, não passa de um prolongamento da Era Lula), à base das grandes coalizões de partidos fisiológicos, definitivamente, se exauriu. Lado a lado ao que a imprensa tem chamado de “recessão técnica” (que a economista petista Maria da Conceição Tavares denominou de “recessão moderada” em entrevista ao jornal VALOR ECONOMICO de 29/08), o problema de contenção da inflação à base de preços administrados e da lucratividade das estatais, prenuncia-se um horizonte carregado, mais grave ainda, de crise política de governabilidade – qualquer um que seja o candidato vencedor. Guardadas as devidas proporções, as atuais eleições brasileiras relembram as de 1960 e 1989, nem tanto por motivo de dois outsiders (Jânio e Collor) terem saídos